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  • Foto do escritorO Ardina

O que está a ser feito?

A aceitação da comunidade LGBTQ+ no mundo do desporto tem percorrido um caminho a ritmos diferentes por todo o mundo, quer a nível de regulação, quer ao nível de iniciativas de inclusão. Em diversas situações, associações inclusivas gay-friendly acabam por ser consideradas uma forma de autoexclusão.


A regulamentação existente


Em Portugal, têm sido tomadas iniciativas governativas para o combate à homofobia.

Em dezembro de 2013, foi estipulado, em Diário da República, o V Plano Nacional Para a Igualdade De Género, Cidadania e Não-Discriminação 2014-2017, onde se sublinharam várias medidas para prevenir e combater formas de discriminação e sensibilizar a população.


Em 2018, foi aprovada a Estratégia Nacional para a Igualdade e a Não Discriminação 2018-2030 – Portugal + Igual. Nesta, surge o “Plano nacional de ação para o combate à discriminação em razão da orientação sexual, da identidade de género e características sexuais” (PNAOIC).


Já as entidades reguladoras do desporto nacionais ainda não contemplam as medidas necessárias para exonerar práticas discriminatórias contra a homossexualidade, especificamente. Atualmente, na Legislação de Desporto são abordadas apenas questões de discriminação relacionadas com a origem racial ou étnica e em função do sexo.


Ainda que não contemple alíneas especificamente dedicadas à problemática, o Código de Ética Desportiva em Portugal dita que: “Incumbe ao Estado adotar as medidas tendentes a prevenir e a punir (...) qualquer forma de discriminação”. Assim, a própria entidade responsável pelo código - o Instituto Português do Desporto e da Juventude - passa a responsabilidade de punir questões relacionadas com discriminação no desporto - nas quais se insere a homofobia - para o Estado.


Entidades relacionadas com a proteção dos direitos da comunidade LGBTQ+ têm feito intervenções acerca da falta de medidas. É o caso da ILGA – Intervenção Gay, Lésbica, Bissexual e Transgénero – que, em 2012, publicou um “Relatório sobre a implementação da Recomendação CM/Rec(2010)5 do Comité de Ministros do Conselho da Europa aos Estados-membros sobre medidas para o combate à discriminação em razão da orientação sexual ou da identidade de género”, onde se sublinha:

“Em Portugal, a legislação sobre desporto não menciona identidade de género e até ao momento não foram elaborados programas, diretrizes, campanhas ou quaisquer políticas públicas que combatam a discriminação em razão da orientação sexual ou identidade de género neste contexto.”

Ainda sobre este assunto, em 2019, Nuno Pinto, presidente da ILGA, concedeu uma entrevista para o País Ao Minuto, afirmando que Portugal é um país onde “o grau de armário ainda é imenso”. Não havendo evolução relativamente às medidas em vigor, afirmou ainda que questões ligadas à comunidade LGBTQ+ são questões de direitos humanos, salientando que proteção legal é uma necessidade:

“A igualdade na lei é o princípio do fim da homofobia e da transfobia. Mas o Estado ainda não está preparado para apoiar devidamente todas as vítimas LGBTI que existem.”

No campo da sensibilização tem havido alguns progressos. A Sociedade Portuguesa de Psicologia do Desporto tem promovido várias jornadas ao longo dos anos, encarregando-se de criar modelos de intervenção e promover o “bem-estar psicológico e psicossocial dos sistemas sociais e humanos onde ocorrem atividades físicas e desportivas”.

Em suma, não há prevenção ou sanções aplicáveis diretamente à homofobia no desporto, o que alimenta a cultura da repressão da orientação sexual na área.


Associativismo desportivo LGBTQ+ friendly: inclusão ou autoexclusão?


Não é incomum a sociedade olhar para associações como os Boys Just Wanna Have Fun (BJWHF) ou outras organizações LGBTQ+ friendly como formas de autoexclusão. O presidente da associação referiu que essa questão “vem sempre à baila”, mas refutou que fosse isso o que acontece no seu clube.


Excerto da entrevista com o Presidente da BJWHF Álvaro Cardoso

Terry Martins, dos Dark Horses, complementa: “não acho que me esteja a excluir de nada, estou só num clube como outro clube qualquer”. Também “Ícaro” considera que essa alegada “autoexclusão” vai contra tudo o que os BJWHF e os Lisbon Foxes defendem, afirmando que “todas as equipas deviam ser desta maneira”.


Hemi Fortes, nadadora na associação, acrescenta ainda que “no mundo ideal [associações como a BJWHF] não deveriam ser necessárias”. No entanto, afirma que “como sabemos que a nossa sociedade está longe de ser ideal”, estas iniciativas acabam por ser “fundamentais”.


“Ainda bem que [a BJHWF] existe, porque é um porto seguro para quem precisa. Mas se não fosse preciso existir, seria um mundo melhor, claro” – Eduardo Pinto, “Ícaro”

A nível internacional, Tom Waddell, médico e atleta da equipa americana de decatlo nos Jogos Olímpicos de 1968, criou os Gay Games. A iniciativa surgiu com o objetivo de promover a aceitação da diversidade de identidades sexuais, assim como de conceder às pessoas LGBTQ+ uma possibilidade de demonstrar que as suas capacidades e espírito competitivo se equiparavam às do resto da sociedade.


Apesar do seu nome, todo e qualquer indivíduo pode participar nos Gay Games, independentemente da sua raça, nacionalidade, crença política ou religiosa, origem étnica, diagnóstico de HIV ou orientação sexual – mesmo que não seja gay ou não saiba praticar qualquer desporto. O criador escreveu, logo após a primeira edição, que “os Gay Games não são separatistas, não são exclusivos, não são orientados para a vitória e não são para ganho comercial”.


Cerimónia de encerramento dos Gay Games de 2006 em Chicago | Foto: Rick Aiello / Wikimedia Commons

Ao longo dos anos, tem-se verificado um crescimento exponencial no número de participantes nos Gay Games. Enquanto na primeira edição marcaram presença cerca de 1350 atletas de todo o mundo, em 2018 este número foi superior a 10 mil.


Curiosamente, a edição de 1994, em Nova Iorque, os Jogos contaram com a presença de 10 864 participantes – número superior ao de atletas nos Jogos Olímpicos de 1992 e de 1996.


Apesar dos esforços feitos por associações e movimentos que lutam por uma prática desportiva mais inclusiva, as grandes instituições do desporto mundial parecem não estar a trabalhar no mesmo sentido.


Ainda no ano passado a UEFA rejeitou o pedido da cidade de Munique para iluminar a Allianz Arena com as cores da bandeira LGBTQ+ durante o jogo do Euro 2020 entre a Alemanha e a Hungria. O pedido surgiu na sequência da aprovação no parlamento Húngaro de uma lei que proíbe a divulgação de conteúdos sobre orientação sexual a menores de 18 anos. A UEFA justificou a decisão com o facto de ser “uma organização política e religiosamente neutra”, realçando o contexto político da situação. Ainda assim, a organização desportiva permitiu a iluminação do estádio durante os dias da marcha do Orgulho LGBTQ+.


Em 2021, a UEFA rejeitou o plano de Munique de iluminar a Allianz Arena com as cores do arco-íris no jogo Alemanha x Hungria

Também em 2010 o comité da FIFA escolheu o Qatar para acolher o Mundial de 2022 – um país onde a homossexualidade é criminalizada com pena de morte e o casamento entre pessoas do mesmo sexo não é legal, assim como demonstrações públicas de apoio à causa LGBTQ+. Foram muitas as reações negativas a esta escolha, quer por parte das equipas, quer por parte dos adeptos. O próprio Josh Cavallo manifestou-se, admitindo que teria “medo” de participar numa competição num país onde a sua vida estaria em risco por causa da sua sexualidade.


Ainda que a diferentes velocidades, o mundo tem evoluído no sentido de se tornar um lugar mais tolerante para pessoas com identidade LGBTQ+. Independentemente dos resultados, enquanto a homofobia entrar a titular, o desporto sairá sempre a perder.

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