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Joaquim Silva: "O problema da COP foi que as pessoas não conseguiram pensar como Planeta Terra"

A 26.ª edição da Cimeira do Clima deixou algumas partes insatisfeitas. Algumas metas de Paris sobrevivem mas a opinião pública divide-se entre desilusão e otimismo.

Em entrevista com O Ardina, Joaquim Esteves da Silva, professor e diretor do Departamento de Geociências, Ambiente e Ordenamento do Território na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (FCUP), esclarece alguns tópicos abordados na COP26, como a perspetiva da China e da Índia acerca do uso de combustíveis fósseis, as consequências da inação climática e as medidas que poderiam ser implementadas.


Fotografia: Dean Calma / IAEA, via Wikimedia Commons

O acordo deste ano foi descrito várias vezes como “imperfeito”. E no seguimento do acordo de paris foram estabelecidas metas cujo cumprimento é fulcral para assegurar a habitabilidade do planeta a longo prazo. Acredita que na cimeira deste ano foram tomadas as medidas necessárias para assegurar que essas metas são atingidas?


Em concreto não foram tomadas. De facto, há a intenção de serem tomadas. Esse é que é o principal problema da cimeira deste ano. É que temos um saco cheio de pouca coisa, ou nada. Temos muitas intenções, mas ficou tudo, de certo modo, adiado por mais um ano, pelo menos.


Temos objetivos mais ou menos bem definidos. Sabemos que em 2030 temos de reduzir 55% das emissões de gases com efeito de estufa (GEE) e que em 2050 temos de ter carbono neutro. Ou seja, o que emitimos tem de ser, de uma maneira ou de outra, igual ao que temos de sequestrar, absorver. O balanço final tem de ser nulo. Sabemos isso e queremos isso. E estamos a fazer tudo – a Europa, neste caso, que me parece que está a liderar mais o processo – para atingir esse objetivo. Se todos os países do planeta fizessem isso, estávamos otimistas. O problema é que, a manter-se a situação atual, não vamos atingir objetivo nenhum para assegurar que o clima se mantém estável, nomeadamente em 2100.


Se não for feito nada - e neste momento infelizmente ainda não está nada de concreto – vamos entrar num clima caótico e vai ser muito complicado... diria mesmo que não sabemos o que será viver em 2100. Porque além do clima ser muito instável, vamos ter as questões políticas relacionadas com as migrações, que são um problema.


Atualmente as pessoas já têm uma amostra do que acontece com as migrações, que estão a pressionar o sul dos EUA e da Europa. Certas zonas do planeta vão deixar de ser habitáveis, ou porque vão ter demasiada água, ou ser demasiado quentes, ou com demasiada chuva. E por isso as pessoas vão ter tendência a fugir, ir para zonas onde tenham mais estabilidade social e económica. Para evitar isso é preciso definir em concreto os objetivos de redução de GEE para atingir a neutralidade carbónica o mais cedo possível.



Uma medida aprovada foi, a pedido da índia em concordância com a China, a redução progressiva do uso do carvão, que era suposto ser uma eliminação progressiva. Quais podem ser as consequências ambientais desta ação?


O problema do carvão foi um exemplo típico deste saco cheio de nada. Porque a intenção inicial era por uma deadline na retirada do carvão como combustível fóssil. Aí era fácil verificarmos se era totalmente substituído ou não. No fundo eliminá-lo, porque como combustível fóssil é dos que emite mais GEE. É preferível usar gás natural, por exemplo.

Daí a necessidade de haver a descontinuação do carvão como combustível. E realmente estava, inicialmente, nas deliberações finais da COP. Mas a Índia, à ultima da hora, disse que não concordava e, em vez de eliminar, ficou reduzir.

Nós nunca vamos conseguir verificar o que é reduzir, o que significa reduzir. Vai-se diminuir eventualmente mas nunca vai acabar. Portanto isso foi um sinal de que não havia intenção de alguns países de acabar com o carvão e assegurar, desde logo, a eliminação de uma das principais fontes de CO2 para a atmosfera, um dos maiores contributos para as mudanças climáticas. A realidade é essa.


Por outro lado, a Índia, a China e a Austrália consomem muito carvão ou por serem produtores ou por estarem dependentes do mesmo. Contudo, por exemplo, a África do Sul também está muito dependente do carvão mas conseguiu chegar a um acordo com os EUA e muitos países europeus para haver uma transição justa. Então eles vão, certamente dando-lhes compensações, ajudando a África do Sul a transitar para uma energia limpa.


E se a África do Sul conseguiu fazer isso - e isso sim é um passo importante deste processo -porque é que os outros também não seguiram um esquema semelhante?

Se eles tivessem feito isso, obviamente estávamos mais tranquilos. Porque assim estamos a adiar o problema, o que não resolve a situação porque temos muito pouco tempo para atuar. Diria mesmo que em 2030 teríamos de dar sinais claros que há uma redução de emissões de GEE para a atmosfera, porque senão isto vai entrar num ciclo que vai ser muito difícil de reverter.


Acredita que estão a ser privilegiados interesses políticos individuais em vez de ambientais e sociais?


Os interesse individuais, não tenho dúvidas. Aliás, o problema da COP foi que as pessoas não conseguiram pensar como o planeta Terra. De facto, a Índia está muito dependente do carvão - e a China também - mas têm uma posição que é, de certo modo, compreensível. Os países que mais emitiram GEE foram os EUA e a Europa, no conjunto. Eles [Índia e China] dizem que os EUA e a Europa atingiram o seu desenvolvimento económico porque emitiram muitos GEE para a atmosfera, portanto acham-se, de certo modo, no direito também, enquanto não se conseguirem desenvolver mais economicamente.


O problema é que se utilizarem as mesmas estratégias que os EUA e a Europa, acabam com a Terra. E isso não pode ser e acho que já toda a gente percebeu. Eles não querem perceber, ou não lhes interessa, no sentido em que estão a arrastar o problema o mais possível. Por isso é que, neste momento - e isso também ficou definido na COP – os EUA e a Europa estão a dar compensações económicas aos países menos desenvolvidos para se adaptarem. É o mecanismo das compensações, que também ficou decidido na COP26: neste momento eles não têm o financiamento total mas vão tentar obtê-lo. Isto é,no fundo será a forma como os países que mais contribuíram para os problemas do clima que temos atualmente, vão contribuir financeiramente e ajudar os outros a fazer esta transição para energias mais limpas ou para a não utilização de combustíveis fosseis. É disso que temos de que convencer os países que estão o bocadinho do contra nisto das emissões porque, senão, entramos num berbicacho danado.


Portanto, a distribuição de incentivos financeiros podia ajudar a combater a crise climática mais eficazmente?



Foi reconhecida a importância do último relatório do IPCC e como tal foi estipulado que passaria ser um ponto a ter em conta no processo de decisão. Qual é o papel da ciência no combate à crise climática?


Neste momento, a ciência já teve um papel muito importante – e isso ficou contemplado na COP26 – porque, com base nesse relatório do IPCC (que no fundo é um painel muito grande de cientistas de todo o mundo), eles deixaram muito claro que são os combustíveis fosseis que estão a provocar as mudanças climáticas. E essa mensagem foi adotada na COP26. Foi talvez o que de mais positivo aconteceu, o reconhecimento por toda a gente, todo o planeta, de que são os combustíveis fosseis que estão a provocar esses problemas.



Que medidas deveriam ser implementadas – além da redução de combustíveis fósseis e da transição para fontes de energia limpa - de forma a desacelerar a crise climática?


A Terra tem mecanismos muito eficientes para eliminar o CO2 que esta em excesso na atmosfera, que são as arvores. As árvores, todos os dias, sempre que nasce o sol, absorvem CO2 que transformam por fotossíntese em biomassa. Ou seja, em massa da árvore - e ela cresce. Se me perguntasse como é que rapidamente resolvíamos o problema do CO2 em excesso na terra, era relativamente fácil de dizer: era só plantar muitas florestas. Porque, em alguns anos, haveria a absorção do CO2 em excesso. Mas como reparou na COP26 o que, neste momento, ainda estamos a discutir, é quando é que vamos parar com a desflorestação. Foi daqueles resultados que eu achei muito espantoso. Se o problema é o excesso de CO2 na atmosfera e se a as arvores o tiram da atmosfera de forma eficiente e relativamente rápida, então devíamos estar a pensar em aumentar a área de floresta que temos, florestar áreas meio desertificadas. E o acordo a que se chegou na COP foi que a desflorestação ia continuar e só pararia daqui a 8 ou 10 anos. Isso é um absurdo.


Há países que ainda pegam na sua floresta e destroem-na. Ao matar uma árvore, estamos a parar a absorção de CO2 dessa árvore. Morrendo, também a árvore vai transformar-se em CO2 por entrar em decomposição e, todo o CO2 que absorveu durante a vida, vai mandá-lo para a atmosfera outra vez; vamos dar cabo do solo e o solo vai emitir CO2 porque a matéria orgânica vai voltar para a atmosfera.


Um estudo sobre a floresta Amazónia concluiu que, pelo facto de os brasileiros estarem a desflorestar, está a chover menos no Brasil. A produção de energia hidroelétrica diminuiu porque há menos água nos rios e nas albufeiras. O Brasil, neste momento, está a produzir energia à custa de combustíveis fosseis, pelo facto de estar a desflorestar. Ou seja, o facto do brasil desflorestar, dá origem a uma sequência de “asneiras” ambientais que levam a uma quantidade brutal de emissões de CO2 prejudicial para a Terra. E eu não percebo como é que ,nesta fase do conhecimento que toda a gente já tem, estamos a discutir parar a desflorestação em vez de "vamos tornar a reflorestar o mais possível". Porque essa será talvez a primeira opção a tomar para resolver este problema. Obviamente que temos de parar as emissões, mas conseguimos minimizar a questão do CO2 da atmosfera plantando árvores.


Acredita que, na COP, estão a ser tratados os assuntos provocados pela crise climática - como a destruição de ecossistemas, a migração climática - como deveria?


Suponho que haja uma série de iniciativas paralelas, nomeadamente para proteção da biodiversidade. Mas repare, a origem do problema são as mudanças climáticas. Tudo começa sempre no mesmo ponto que são a emissão dos GEE. Se nós pararmos isso, tudo o resto fica automaticamente corrigido. A biodiversidade vem na sequência de aumentarmos a área florestal. Evitando o aquecimento do planeta, estamos a impedir que a água suba - como acontece em algumas ilhas no Pacífico, onde os povos já tiveram de se deslocar, de migrar, porque algumas ilhas já ficaram debaixo de água.

Mas vai piorar, também vamos ter problemas em Portugal... porque em 2100, se não se concretizar o que está prometido, vamos ter zonas alagadas com água do mar. Nós e muita gente.


Felizmente, o que ficou definido na COP, é que se tem até ao próximo ano para apresentar os novos programas de emissões ou de redução de GEE para ir de encontro aos objetivos de Paris - não ir alem do 1,5ºC e nem pensar pensar os 2ºC. O problema é que na situação que temos agora, em 2100 já devemos estar perto dos 3º. Daí o drama que será se, na próxima COP, os países que estão mais contra este processo não apresentarem um plano estratégico de redução que seja convincente e realista. Porque eles tem de apresentar e tem que o cumprir.


De uma forma global - de acordo com a sua avaliação dos resultados - esta COP foi um sucesso ou um fracasso?


As COPs nunca são um fracasso porque, quanto mais não seja, as pessoas falam. Podem não aparecer todos - por exemplo nesta COP o presidente chines não apareceu. Isso foi grave porque mostrou que a China estava de certo modo a “tramar alguma coisa”. Mas estavam lá representantes chineses!… É sempre importante as pessoas falarem, porque quando baterem com a porta, isso é que vai ser mau, porque isso é que é irreversível. Na discussão é que vão estar as soluções do problema, sempre. Daí que não se poder dizer que as COPs são más, boas ou um fracasso. Esta teve um problema - as espectativas eram altas à entrada. Os objetivos eram altos, mas no fim acabou por saber a pouco. Mas a porta ficou aberta para o próximo ano! Os objetivos de Paris continuam em cima da mesa, mas não é com as emissões atuais: é na expectativa que os países vão apresentar os novos planos.

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