top of page
  • Foto do escritorAna Torres

Militares da GNR acusados de torturar e agredir imigrantes em Odemira

A acusação é baseada em filmagens encontradas no telemóvel de um dos sete militares da GNR de Vila Nova de Mil Fontes, em Odemira. Três dos militares teriam já sido implicados num processo semelhante em 2018.

Foto: Nuno Veiga

Sete militares da Guarda Nacional Republicana (GNR) são acusados pelo Ministério Público (MP) de torturar e humilhar imigrantes, tendo as agressões em causa sido filmadas pelos mesmos. No dia 7 de janeiro, a ministra da Justiça e da Administração Interna, Francisca van Dunem, suspendeu preventivamente estes militares durante 90 dias prorrogáveis. Estas acusações têm origem numa investigação anterior, relativa a delitos cometidos entre 2018 e 2019, na qual foram apreendidos pela Polícia Judiciária (PJ) os telemóveis de cinco militares da GNR. Três dos militares agora acusados teriam já sido condenados no seguimento dessa investigação anterior.



A primeira investigação


Na noite de 30 de setembro de 2018, num jantar num restaurante em Almograve, encontravam-se vários trabalhadores agrícolas oriundos da zona do Indostão e o seu respetivo chefe, assim como um militar da GNR seu amigo. Na sequência de um desentendimento entre as partes, motivado por reclamações relacionadas com atrasos no pagamento dos salários e com a extensão dos horários de trabalho, o guarda presente chamou três colegas para o ajudarem a lidar com a situação.


No entanto, a situação agravou-se, tendo culminado num episódio em que um dos arguidos espancou um dos trabalhadores agrícolas, que necessitou de receber tratamento hospitalar. Ainda durante a madrugada, os quatro militares entraram forçosamente na habitação onde os imigrantes estavam alojados, onde desferiram mais agressões sobre os imigrantes e os impediram de sair. Foi ainda falsificado o auto relativo a estes acontecimentos, de forma a encobrir a ação dos guardas.


A denúncia deste acontecimento foi feita por um militar da GNR, que ouviu através de cidadãos locais que o seu colega André Ribeiro, então dirigente da Associação Socioprofissional Independente da Guarda (ASPIG), e outros militares da GNR eram responsáveis por estas agressões. O caso foi primeiro reportado internamente a um superior, que posteriormente fez a denúncia ao tribunal. A PJ iniciou então a investigação, com localização de viaturas, cruzamento dos telemóveis dos suspeitos e troca de informações. Após investigação e julgamento, André Ribeiro foi condenado a seis anos de prisão efetiva e a uma pena acessória de três anos e seis meses de proibição de exercício de funções na GNR por dois crimes de ofensas à integridade física qualificada, dois de sequestro e um de violação de domicílio. Os restantes quatro militares, João Lopes, Rúben Candeias, Luís Delgado e Nelson Lima, foram condenados a penas de prisão suspensa, pagamento de indeminizações e a proibição de exercício de funções; em janeiro de 2021, o Tribunal de Évora ordenou a reintegração dos segundos.


André Ribeiro foi, a 30 de novembro, sancionado com a pena disciplinar de “separação de serviço” - ou seja, expulso da GNR - pelo ex-ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, tendo sido a decisão publicada a 27 de dezembro em Diário da República.


"Espero que eles não vão ver os telemóveis"


Entretanto, foi aberto outro processo para investigar outros crimes, motivado por uma frase que havia sido escutada pela Polícia Judiciária (PJ) já depois de os agentes terem sido detidos: “Espero que eles não vão ver os telemóveis”.


O telemóvel de Rúben Candeiras, de 25 anos, continha imagens e vídeos de ainda outras situações de agressões dirigidas a imigrantes indostânicos. O despacho do caso, divulgado pela CNN Portugal, menciona abusos físicos motivados pela nacionalidade das vítimas, falsas operações stop, fiscalizações sem farda e comportamentos reiterados no tempo. Estão envolvidos neste novo processo dois dos militares que já haviam sido alvo de condenações no processo anterior, nomeadamente o próprio Rúben Candeias e o militar Nelson Lima.


São quatro as situações reveladas pelas imagens presentes no telemóvel do militar, e têm lugar os anos de 2018 e 2019.


A primeira ocorrência remonta ao mês de setembro de 2018. Rúben Candeias não estava de serviço, mas encontrava-se fardado no posto da GNR de Vila Nova de Mil Fontes. Segundo a acusação, terá obrigado um cidadão imigrante a dizer, enquanto o forçava a ficar em posição de submissão: “Pernas [alcunha do seu colega João Lopes] fod*-te os cornos” e “mestre, és uma máquina". Ria-se enquanto o agredia e filmava a situação.


Mais tarde, em novembro do mesmo ano, Rúben Candeias e João Lopes detêm outro imigrante, sem que, de acordo com o MP, exista um auto para o motivo da detenção. Segundo o despacho do MP, Rúben Candeias seguia sentado ao lado do cidadão imigrante num carro da GNR conduzido por João Lopes, e dirigia-lhe insultos - “és uma miséria”, “mata-te”, “põe-te daqui para fora” - e batia-lhe, atingindo-o na cabeça repetidamente. O militar da GNR encostou ainda uma espingarda à cara do imigrante, enquanto este chorava e dizia que não falava português.


Em janeiro de 2019, os guardas Rúben Candeias, Nuno Andrade, Nelson Lima e Diogo Ribeiro procederam à detenção de três imigrantes, sem que, mais uma vez, exista um auto que registe estas detenções. No pátio interior do posto, os três homens foram colocados "lado a lado" e foi-lhes ordenado que "se agachassem e que se remetessem ao silêncio", sendo de seguida agredidos com reguadas nas mãos, De seguida, ordenaram às vítimas que se colocassem em prancha, e agrediram-nos no corpo. Nelson Lima atacou ainda um deles com gás pimenta. A procuradora do MP responsável pelo caso, Elsa Maia Bértolo, explica no despacho da acusação que "durante todos estes atos, os arguidos riam-se e divertiam-se com a subjugação que impunham, (...) sem qualquer justificação e sem que um qualquer deles levasse a cabo qualquer ação para fazer cessar tais condutas".


A última situação registada teve lugar em março de 2019. Os agentes Carlos Figueiredo, Rúben Candeias e Paulo Cunha levaram a cabo uma falsa operação stop na rotunda de entrada em Vila Nova de Milfontes, durante a qual mandaram parar um indivíduo a quem ordenaram que realizasse o "teste do balão", utilizado habitualmente para medir a taxa de alcoolemia. No entanto, os guardas haviam colocado gás pimenta no tubo presente no aparelho de medição, tendo a vítima inalado a substância. Enquanto o homem, "visivelmente perturbado" pedia ajuda, os militares da GNR prosseguiam com insultos: “filho de uma grande p*ta”, “animal”.


Acusação do MP fala de "Ódio dirigido às nacionalidades”


Pode ler-se no despacho da acusação que do MP que Rúben Candeias, Carlos Figueiredo e Paulo Cunha “agiram com satisfação e desprezo pelos indivíduos que subjugaram, obrigando-os a suportar tais comportamentos”, agindo “em manifesto aproveitamento da situação precária, frágil e desprotegida dos visados, aproveitando-se da pouca ou nenhuma capacidade daqueles em se defenderem, muito provavelmente até por estarem ilegais em território nacional, o que sabiam facilitar a execução e consumação das suas condutas reprováveis, violando frontalmente os deveres que lhes incumbiam na proteção e respeito pela população." Consta ainda no despacho que “em cada um dos atos que cada um praticou, agiram em manifesto ódio pelos visados, (...) ódio esse claramente dirigido às nacionalidades”


As vítimas serão seis no total, e da pouca informação se se tem sobre elas, sabe-se apenas que são naturais do sudeste asiático, e que um deles faleceu num acidente de viação e outro fugiu quando foi chamado para prestar declarações.


Os sete militares da GNR encontram-se agora acusados de um total de 33 crimes, de entre eles o de abuso de poder, sequestro, e ofensa à integridade física qualificada. Rúben Candeias é o agente que conta com mais acusações, estando indiciado pela prática de 11 crimes.

25 visualizações0 comentário
bottom of page