Sem cair na tentação de fazer um álbum "a la Adele" e conseguir o sucesso habitual, a artista britânica lançou aquele que será o álbum mais íntimo e musicalmente rico da sua carreira.
Não faz sequer sentido questionar o facto de Adele ser uma das artistas mais bem-sucedidas deste século. Que mais não seja pelo facto de ser seu o álbum mais vendido do século XXI e o recorde de artista feminina com mais Grammys ganhos numa só noite. Mas o fenómeno de Adele vai além de estatísticas ou recordes e a sua arte é bem maior do que os prémios que recebe. Depois de 19, o tímido e promissor álbum de estreia, o sucesso mundial de 21 e a aposta seguríssima de 25, chega o mais recente disco da cantora britânica, 30.
O quarto longa-duração de Adele foi inspirado no seu divórcio com Simon Konecki, e a sua narrativa toca também em tópicos como a maternidade e a fama. O álbum é notório pelo seu tom confessional e implementa, inclusivamente em algumas canções, trechos de “spoken word” que contribuem para a dimensão pessoal do álbum. Instrumentalmente é rico, denso e complexo. Tangente ao soul a que Adele nos habituou, sentem-se no ar influências de jazz e pitadas de eletrónica, sobretudo ao nível da produção.
Percebe-se de imediato, na faixa de abertura, Strangers By Nature, que 30 é muito mais do que “o álbum da Adele de que se esperava”. A sua personalidade está lá, assim como a sua voz irreprensível. No entanto, é no instrumental e na vertente lírica que se percebe que ouvimos uma nova Adele. Uma que olha cada vez menos para o que a rodeia, mas mais para dentro, para si mesma. “I’ll be taking flowers to the cemetary of my heart / For all of my lovers, in the present and in the dark” são os versos dilacerantes que abrem um álbum tão romântico quanto angustiante.
Segue-se Easy On Me, o promissor primeiro single que, apesar de nos ter dado pistas sobre o caminho que seria seguido em 30, não nos preparou, de todo, para o que se avizinhava. E ainda bem. Depois de um 25 que foi criticado pela falta decisões arriscadas, uma das maiores forças de 30 é a forma como, ainda que soe familiar, nos puxe o tapete a cada canção.
My Little Love é um dos momentos mais impressionantes e honestos do álbum. Na canção, Adele intercala os seus versos com clips em que fala com o seu filho, Angelo Adkins. E é também desta conversa que saem frases como “I love your dad ‘cause he gave you to me / You’re half me and you’re half daddy”. A vulnerabilidade é de tirar a respiração e torna a canção incontornável.
Em 30, Adele soa frágil, mas nunca derrotada. E em canções como o futuro clássico I Drink Wine e Hold On - a faixa mais “festiva” de um álbum sobre ter-se o coração partido e lidar com o que sobra de um divórcio – erradicam-se as teorias de que Adele poderia ter estagnado musicalmente. O seu quarto disco é camaleónico, mas autêntico. Em quase todas as canções, a artista viaja por terrenos nunca explorados em álbuns anteriores. No entanto, é a identidade da sua voz que dá relevo às canções e que nos prende ao chão.
Quanto ao magnum opus do álbum, este só poderá ser To Be Loved. A voz de Adele nunca foi tão forte, tão zangada, tão desiludida, tão sincera. Depois de a gravar, a cantora prometeu não voltar a cantar a canção ao vivo. A honestidade quase violenta e a brutalidade da sua entrega em versos como “Let it be known that I will choose to lose/It's a sacrifice, but I can't live a lie /Let it be known, let it be known that I tried” torna esta a melhor canção do álbum e, possivelmente, a canção do ano.
Vídeo com letra de To Be Loved / Youtube
Do ponto de vista da produção, o álbum é perfeito. Mas mesmo que a produção não fosse exímia, isso não seria altamente prejudicial para o disco. Porque a sua maior força é a própria Adele, a sua força, a sua sinceridade e a sua entrega.
30 será seguramente um dos candidatos a – senão, o – disco do ano. Cinco anos depois do último álbum, Adele oferece uma obra-prima de emoção, da que não se consegue fingir. De olhos nas ruínas que a rodeiam, Adele soa mais poderosa que nunca. Porque nem sempre o poder advém da vitória. A maior força é a de constatar a fraqueza e a destruição e de aceitar o sofrimento como parte do crescimento. E Adele está a crescer. Pelo caminho, deixa-nos o seu melhor álbum e a fasquia impossivelmente alta. Se o próximo álbum tiver de ser um 40 e não um 31 ou 32, que seja. Nenhuma espera é longa demais para a perfeição.
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