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Foto do escritorAngela Pereira

Afeganistão: o retrato de um país em colapso

O dia em que os Talibãs conquistaram Cabul pela segunda vez ficou assinalado na História. O Afeganistão fechou as portas para o mundo, num período onde se sentem tensões políticas, económicas e sociais. Com fome, precaridade e violações dos direitos humanos, uma enorme crise humanitária tomou o país de assalto.

Foto: Wikimedia Commons | ISAF Public Affairs

Foi a 15 de agosto que o mundo ouviu a notícia de que a cidade de Cabul - a capital afegã - tinha sido novamente tomada pelos Talibãs. Vinte anos depois da invasão dos Estados Unidos da América que expulsou os radicais do poder, o país caiu, mais uma vez, nas suas mãos.


Com o ressoar da chegada dos radicais, Ashraf Ghani, ex-presidente afegão, abandonou o país e assumiu a derrota, declarando que a fuga pretendia "evitar um banho de sangue."

"Os talibãs ganharam [...] e são agora responsáveis pela honra, a posse e a autopreservação do seu país" - Ashraf Ghani, numa mensagem publicada no Facebook.

Numa ofensiva militar de larga escala, os Talibãs tomaram posse do palácio presidencial na capital. Anteriormente, tinham já controlado 28 das 34 capitais provinciais, em apenas 10 dias. No decorrer deste rápido avanço dos radicais pelo país, milhares fugiram, tentando encontrar asilo na capital ou saindo do país.


O Império Talibã ergue-se uma vez mais, depois do "vai-e-vem" americano


O regime Talibã não surge como uma estreia no Afeganistão. Já em 1996, fruto da guerra civil e dos múltiplos confrontos entre facções rebeldes, a cidade de Cabul ficou destruída, abrindo espaço para que os radicalistas se erguessem e assumissem o poder. Também nesse ano, Osama Bin Laden estabelece-se no Afeganistão, vindo do Sudão.


Em 2001, a rede terrorista AL Qaeda - uma organização fundamentalista islâmica fundada por Bin Laden - orquestra um ataque nos Estados Unidos, nomeadamente às Torres Gémeas do World Trade Center, em Nova Iorque, e ao Pentágono, em Washinghton. Os atentados provocaram cerca de 3 mil mortos, assinalando assim o dia que ficou marcado na memória do mundo: o 11 de setembro.

Pouco depois, a aliança militar intergovernamental OTAN (ou NATO, na sigla inglesa) - Organização do Tratado do Atlântico Norte - invoca o Artigo 5º, uma cláusula de defesa mútua, que indica que qualquer ataque a um dos Estados-membros é considerado um ataque a toda a aliança. Foi ainda nesse ano que George W. Bush - o presidente americano na altura - anuncia a ofensiva militar lideranda pelos americanos contra o Afeganistão. Esse ataque levou à expulsão dos Talibãs do poder e à subsequente tomada de posse de Hamid Karzai como presidente.


Durante muitos anos, os conflitos no Médio Oriente não pararam. Em, 2011, é anunciada a morte de Bin Laden, após uma intervenção das forças especiais americanas. Em 2018, Donal Trump age sem a OTAN ou o governo afegão, e entra em negociação com os Talibãs. Dois anos mais tarde, os Talibãs declaram-se vencedores na guerra contra a OTAN, levando à retirada das tropas internacionais de território afegão. Nesse ano, começaram mediações de paz no país, mas rapidamente se dissiparam.


Foi apenas em 2021 que a situação evoluiu de forma a permitir a reconstrução do império dos radicalistas. Joe Biden - o atual presidente americano - anunciou, em julho, que a guerra contra os afegãos ia terminar com a retirada das tropas até ao 20º aniversário do 11 de setembro. Um mês depois, os Talibãs começaram a atacar e consquistar distritos, avançando ao ritmo da retirada das forças militares. As forças afegãs foram incapazes de retaliar.


E foi ao mesmo tempo que as forças militares americanas e internacionais saíram do país, que este caiu nas mãos dos radicalistas, numa ofensiva que durou pouco mais de uma semana. Muitos afegãos tentaram fugir durante um cenário de caos e violência, até ao fatídico dia em que os Talibãs controlaram a capital, dissolvendo o governo e fechando as portas do país.


Uma catástrofe humanitária, política e económica


Durante a corrida para tomar o país, milhares tentaram procurar refúgio na capital, antes de também essa ser tomada. Nesse tempo, as autoridades afegãs não concediam ajudas, obrigando muitos afegãos a tentar sobreviver como podiam, sem casa, sem comida, e com famílias para cuidar - depois de terem abandonado tudo o que conheciam. A organização The World Food Programme descreveu este conflito como uma potencial "catástrofe humanitária".


Desde então, o país tem vivido debaixo de regras apertadas que desafiam os direitos humanos. Voltaram as práticas ortodoxas, e com elas o presságio de um país em ruínas. Vive-se fome e miséria, um aumento do número de casamentos infantis, a regressão nos direitos das mulheres e, no geral, uma forte opressão.


A situação económica do país também está severamente ameçada, uma vez que o auxílio internacional foi cortado. Em agosto, o Fundo Monetário Internacional supendeu as ajudas aos Afeganistão devido à incerteza provocada pela liderança política atual. Nisto, o Executivo do Afeganistão anunciou que a sua proposta de Orçamento de Estado vai ser financiada sem ajudas internacionais. Tal ausência de apoios estrangeiros pode significar um agravamento da situação social, uma vez que a maioria da população está a atravessar uma crise aguda de fome. E, com o aumento de preços de bens essenciais e sem ajudas internacionais, a Organização das Nações Unidas (ONU) prevê o “colapso do sistema bancário”.


Em dezembro de 2021, a Alta Comissária adjunta da ONU para os Direitos Humanos - Nada al-Nashif - anunciou, durante a apresentação do último relatório sobre o Afeganistão, que a pobreza extrema tem incitado medidas desesperadas para combater a fome, incluindo trabalho infantil e "até a venda de crianças". Na mesma linha, o porta-voz da ONU, Tomson Phiri, afirmou que “a espiral de crise económica, o conflito e a seca significam que agora a família média mal consegue lidar com a situação”. Ao reportar este cenário, apelaram à necessidade de ajudar o país.


Nashif também mostra preocupação pelas medidas opressoras tomadas pelo governo fundamentalista, depois de dezenas de denúncias de “execuções extrajudiciais” e "sumárias". Foram anunciadas as mortes de pelo menos 72 pessoas que integravam as antigas forças de segurança afegãs.


Mas mesmo com todo este cenário, os Talibã insistem em implementar um governo diferente daquele que houve em 1996. As promessas continuam pouco claras, mas há a afirmação de querer legitimidade. Nesse sentido, o movimento recomeçou a emitir passaportes, alegando cumprir a promessa de permitir que os cidadão saiam do país se dispuserem de vistos válidos. Também a promessa de que as raparigas vão poder retornar às escolas e universidade prevalece.


No entanto, já foi ditada a dissolução da Comissão de Reclamações Eleitorais e dos ministérios da Paz e de Assuntos Parlamentares. De acordo com a agência Lusa, Bilal Karim, um deputado porta-voz, afirmou: "Por enquanto,não precisamos que estes dois ministérios e estas comissões existam e funcionem. Se for necessário, o Emirado Islâmico [o nome dado pelos talibã ao seu regime] pode restaurá-los”.


Também de denotar que, logo após a tomada de posse, o Ministério dos Assuntos da Mulher foi substituído pelo Ministério para a Promoção da Virtude e a Prevenção do Vício, o que não dá indícios favoráveis para questões relacionados com os direitos das mulheres. Por ações como esta e decretos como a impossibilidade das mulheres viajarem sozinhas mais de 72 km, vários protestos têm sido levados a cabo, com afegãs a exigirem “Liberdade, trabalho e comida”.


Os esforços da ONU


Em vésperas do final de 2021, as Nações Unidas tornaram possível a retoma de ajuda humanitária ao Afeganistão, ainda que os Estados-membros tenham mostrado alguma reticência. Foi assim aprovado o fornecimento de fundos, bens e serviços para atender às "necessidades humanas básicas" dos afegãos.


Esta resolução é válida por um ano (período após o qual será reavaliada), e as propostas de ajuda e financiamento "não constituem uma violação" das sanções impostas pelos islâmicos. Pretende-se, assim, reduzir o número de refugiados afegãos que procuram asilo noutros países, a fim de atenuar a crise migratória gerada pela tomada de posse do país.


O secretário-geral adjunto da ONU para Assuntos Humanitários referiu a urgência da "necessidade de liquidez" do Afeganistão a fim de "salvar o povo afegão" e também para "permitir que as organizações humanitárias ajam".


Perante a resolução da ONU, o porta-voz dos talibãs, Zabiullah Mujahid, anunciou que "este é um bom passo, que nós apreciamos, porque pode ajudar a situação económica no Afeganistão" . No entanto, desmentem as crenças da ONU de que o país está à beira do colapso. Zabiullah Mujahid afirmou que “a ajuda chegou de muitos países, e o governo tem um grande stock de alimentos”, acrescentando que não vêem "risco de uma crise humanitária, mesmo que as pessoas precisem de ajuda”.


Mesmo que esteja a haver mobilização para ajuda, o governo formado pelos talibãs não é reconhecido pela comunidade internacional.

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