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  • Foto do escritorAngela Pereira

Eutanásia: o veto em Portugal e a situação euroupeia

Marcelo Rebelo de Sousa vetou o decreto sobre a morte medicamente assistida, em novembro, depois da aprovação do mesmo no pelo parlamento. Já não é a primeira vez que a eutanásia é vetada em Portugal e, na Europa, continua a ser um tema de discórdia.


Foto: World Bank Photo Collection, via Flickr

A 5 de novembro de 2021, a eutanásia foi aprovada na Assembleia da República com 138 votos a favor, 84 votos contra e 5 abstenções. Na frente que apoiou esta decisão, contaram-se 101 deputados do PS, os 19 parlamentares do Bloco de Esquerda, 3 do PAN, 2 do PEV, um da Iniciativa Liberal e as duas deputadas não inscritas, Joacine Katar Moreira e Cristina Rodrigues. Também a favor, 13 deputados do PSD, incluindo o líder do partido, Rui Rio. Já a restante bancada social-democrata, votou contra, bem como os 5 deputados do CDS e o deputado único do Chega, sete deputados do PS e 10 do PCP. As abstenções repartiram-se pelo PS - com duas - e pelo PSD - com três.


A proposta anterior havia sido declarada como inconstitucional, em março, pelo Tribunal Constitucional. Os juízes consideraram que seria necessário elaborar alguns conceitos, nomeadamente o de "lesão definitiva de gravidade extrema", da norma constante do artigo 2.º, n.º 1, do Decreto n.º 109/XIV:


"Considera-se antecipação da morte medicamente assistida não punível a que ocorre por decisão da própria pessoa, maior, cuja vontade seja atual e reiterada, séria, livre e esclarecida, em situação de sofrimento intolerável, com lesão definitiva de gravidade extrema de acordo com o consenso científico ou doença incurável e fatal, quando praticada ou ajudada por profissionais de saúde."

O diploma foi portanto revisto e aprovado em Belém. Contudo, pouco depois, voltaria a ser devolvido à Assembleia da República.


A 29 de Novembro, Marcelo Rebelo de Sousa vetou a lei da eutanásia, sem promulgação. Com esta ação, provocou o adiamento da decisão até à próxima legislatura, uma vez que a Assembleia teria de ser dissolvida até 5 de dezembro.


Numa nota divulgada na plataforma digital da Presidência da República Portuguesa, Marcelo Rebelo de Sousa formulou duas solicitações para a devolução do diploma:


1ª: "O decreto mantém, numa norma, a exigência de "doença fatal" para a permissão de antecipação da morte, que vinha da primeira versão do diploma. Mas, alarga-a, numa outra norma, a "doença incurável" mesmo se não fatal, e, noutra ainda, a "doença grave". O Presidente da República pede que a Assembleia da República clarifique se é exigível "doença fatal", se só "incurável", se apenas "grave".


2.ª "O Presidente da República pede que a Assembleia da República repondere a alteração verificada, em cerca de nove meses, entre a primeira versão do diploma e a versão atual, correspondendo a uma mudança considerável de ponderação dos valores da vida e da livre autodeterminação, no contexto da sociedade portuguesa".


A 30 de novembro, em declarações concedidas à imprensa no Museu Nacional dos Coches, em Lisboa, o Presidente da República afirmou que a decisão de vetar o diploma foi "política" e não "jurídica", salientando que esta é "é uma questão de vida ou de morte".


“Na mesma lei, e até no mesmo artigo, temos regras contraditórias. Dir-me-ão, isto é um problema jurídico? Não, é um problema político, de substância. Porque quem vai aplicar a lei precisa de ter um critério.” - Marcelo Rebelo de Sousa em declarações à imprensa para esclarecer o veto do decreto sobre a eutanásia.

Ainda assim, o chefe de Estado admitiu que o facto do diploma ter sido reapreciado em vésperas da dissolução do parlamento pode ter complicado o processo.


Esta veio a tornar-se a segunda vez no mesmo ano que o decreto sobre a matéria não chegou a ver a luz do dia. A 15 de março, o Presidente vetou o diploma anterior, que o Tribunal Constitucional declarou inconstitucional por "insuficiente densidade normativa".


As reações partidárias


Perante esta decisão, foram várias as reações por parte dos partidos. Pedro Filipe Soares, lider parlamentar do BE, acusou Marcelo Rebelo de Sousa de inventar dúvidas:


A única conclusão que nós poderemos retirar é que há uma invenção de dúvidas para justificar um veto que é incompreensível a quem acompanhou os trabalhos da Assembleia da República, por um lado, e a quem até confiava na palavra do Presidente da República, por outro” acrescentando ainda, em declarações concedidas aos jornalistas na Assembleia da República, que o Presidente "disse em campanha eleitoral foi que não colocaria a sua opinião pessoal à frente da tomada de decisões em relação ao país, e sobre esta matéria em particular, na avaliação que fizesse sobre o que saísse da Assembleia da República”.


Em declarações à TSF,o deputado socialista Pedro Delgado Alves defende que o Chefe de Estado "aponta questões que é importante que fiquem clarificadas", afirmando que é um"veto bem fundamentado e equilibrado". No entanto, salienta a posição conservadora já conhecida de Marcelo Rebelo de Sousa: "É conhecido, e não surpreende ninguém, que o Presidente da República, do seu percurso pessoal e político, tem uma posição bastante mais conservadora nesta matéria".


A líder do PAN, Inês Sousa Leal, lamentou a decisão e considerou que o veto foi "pessoal". Em declarações aos jornalistas na Assembleia da República, afirma que

"independentemente e para lá das convicções de cada um de nós, o diploma tem mecanismos de garantia para que, ao longo de todo o processo, a vontade do próprio seja sempre manifestada e para que não possa ser utilizado como um expediente por terceiros, porque desde o primeiro momento que esta legislação ficou blindada neste sentido”. Por essa razão, Inês Sousa Leal acredita que "é um veto pessoal mais do que um veto que possa pôr em causa questões de constitucionalidade ou questões técnico-jurídicas”.


O PEV também acredita que as convicções pessoais do Presidente da República influenciaram o seu julgamento. Em declarações à Lusa, o deputado d'Os Verdes, José Luís Freitas disse que não foram encontrados "motivos objetivos para que diploma não fosse agora promulgado", acrescentando que seria, portanto, possível "presumir que os sentimentos pessoais ou as convicções pessoais do Presidente da República não foram alheios a esta decisão".


O deputado do PCP, António Filipe, prestou declarações à Lusa, afirmando que Marcelo Rebelo de Sousa colocou "problemas circunstanciais" sobre as formulações utilizadas no diploma. Fez, contudo, questão de salientar que "as razões que levaram o PCP a votar contra a provação desta lei de legalização da eutanásia não são as que são colocadas pelo Presidente da República". Referiu também que "não é um veto absoluto",podendo ser "ultrapassável havendo "uma maioria absoluta" na Assembleia da República".


Por outro lado, o líder parlamentar do CDS-PP, Telmo Correia, congratulou-se com o veto, afirmando que “é importante que se clarifique em que circunstâncias é que a eutanásia pode ser aplicada ou não”, uma vez que "quando estamos a falar da lei da eutanásia estamos a falar na possibilidade de pessoas serem, nas circunstâncias da própria lei, mortas. E portanto os conceitos não são conceitos irrelevantes”.


Na mesma linha, o a Direção Nacional do Chega congratulou, num comunicado, a decisão do Presidente, que permitirá que o assunto volte a ser debatido no parlamento "na próxima legislatura com total tranquilidade e seriedade e com uma composição parlamentar diferente da atual que primará pela defesa da vida e do ser humano". O partido defende que o diploma "apresenta várias lacunas e contradições" e que foi "elaborado à pressa para ser aprovado pela maioria de esquerda que atualmente domina o parlamento".


Os conceitos


Ilustração: Angela Pereira

Dentro da questão da eutanásia, há vários conceitos envolvidos. Para começar, há uma diferença a destacar entre suicídio assistido e eutanásia, sendo esta quem age em prol de provocar a morte. Esta distinção não existe apenas para propósitos teóricos; para quem toma o gesto de terminar a vida de um terceiro, representa a distinção entre cometer um crime e efetuar uma prática legal.


Quando se fala de suicídio assistido, é o doente - com ou sem ajuda de terceiros, dependendo do seu estado - que ingere a substância ou ativa o mecanismo para introduzir a substância letal no seu corpo. Esta situação diz respeito a doente em sofrimento intenso.


Dentro do conceito de eutanásia, existem dois tipos: passiva e ativa. Na eutanásia ativa é administrada uma substância letal no doente, de acordo com as condições estipuladas na lei. Dentro desta, existe ainda a eutanásia indireta na qual, com o propósito de aliviar a dor e sofrimento do doente, são aplicados tratamentos que podem ter efeitos colaterais como o encurtamento da vida. Na eutanásia passiva, os recursos utilizados para manter uma pessoa viva são retirados.


As circunstâncias em que é aplicada a eutanásia diferem entre países devido às particularidades enunciadas em cada lei. Além dos conceitos utilizados, também variam as condições - físicas e psicológicas - do doente. Foram, aliás, estas particularidades que, de acordo com as declarações do Presidente da República, levaram ao veto do decreto alusivo à matéria, nomeadamente a distinção entre as condições do doente. Isto é, se a eutanásia deve ser autorizada em casos de "doença fatal", "incurável", ou apenas "grave".


Eutanásia na Europa


Em Portugal, esta situação vai ficar com o desfecho pendente até à próxima legislatura. Mas, entretanto, na Europa, são distintas as visões e posições legais acerca da eutanásia ou do suicídio medicamente assistido. Atualmente, há vários países onde a eutanásia é legal.


A Holanda foi pioneira a legalizar e regulamentar a prática da eutanásia na Europa. Desde abril de 2002, à luz da "Lei sobre a Cessação da Vida a Pedido e o Suicídio Assistido "- restrita a cidadãos holandeses - este ato pode ser cometido por um médico que cumpra as exigências legais. Para isso, deve constar o pedido escrito do paciente, que tem de estar consciente, convicto e sofrer de uma doença incurável, em estado terminal, em sofrimento "insuportável" e sem possibilidade de melhoria. A eutanásia também pode ser pedida por menores a partir dos 12 anos, caso os progenitores apresentem consentimento.


Pouco depois, em maio de 2002, a Bélgica também autorizou as práticas de eutanásia ou suicídio assistido, seguindo requisitos legais semelhantes à Holanda. Mas a Bélgica diferencia-se drasticamente pela alteração polémica feita em 2014: permissão da prática de eutanásia a menores de qualquer idade, desde que sejam vítima de uma doença incurável, tenham capacidade de discernimento (avaliado por um profissional de saúde), e que seja pedida pelo doente e pelos seus progenitores ou representantes legais.

Para estes casos é cedido acompanhamento psicológico constante e de uma comissão específica.


Luxemburgo também autoriza a eutanásia, desde março de 2009, sob condições específicas, em pacientes portadores de doenças incuráveis.


Na Espanha, também já é regulamentada a eutanásia, desde junho de 2021 em casos de "doença grave e incurável ou de um quadro grave, crónico e incapacitante". Antes disso, um doente tinha também o direito de recusar um tratamento.


Em dezembro de 2021, também a Áustria legalizou morte medicamente assistida para pessoas com doenças graves ou incuráveis.


Noutros países da União Europeia, a questão da eutanásia é abordada de formas mais variadas e menos concretas. É o caso da Suíça, onde é autorizado o suicídio assistido, mas relativamente à eutanásia, são apenas toleradas a eutanásia passiva e a indireta.


Na Dinamarca, é possível declarar por escrito a recusa em receber qualquer tipo de tratamento terapêutico desde 1992.


Já na França existe, desde 2005, o direito de "deixar morrer", destinado aos cuidados paliativos. Em 2016 passou a ser também permitida "sedação profunda e contínua até a morte” em doentes com uma previsão de "curto prazo" de vida e com uma doença incurável.


Na Suécia, a eutanásia passiva é permitida desde 2010.


Na Itália, o suicídio assistido foi despenalizado (sob condições específicas) em setembro de 2019, pelo Tribunal Constitucional.


Na Alemanha, se um doente assim o desejar, é tolerada a eutanásia passiva. Já o suicídio assistido “organizado” por médicos ou associações é proibído desde 2020, depois do Tribunal Constitucional alemão ter censurado uma lei emitida em 2015.


Na Noruega, autoriza-se a eutanásia passiva de acordo com o pedido de um doente terminal ou, no caso de este não estar consciente, a pedido de um próximo.


No que toca a recusa ou interrupção de tratamento surgem a Hungria, onde um paciente incurável pode recusar tratamento; a Lituânia, onde é permitida a interrupção do tratamento em final de vida; a Eslovénia, onde é possível interromper um tratamento em final de vida mas só se esse for o desejo o paciente.


Há também países onde o contorno legal sobre esta matéria tem medidas extremas; é o caso da Lituânia, onde um médico pode sofrer um processo disciplinar ou judicial no caso realizar eutanásia passiva, mais concretamente se desligar o suporte respiratório de um doente terminal.

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