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  • Foto do escritorAna Torres

Migrantes na fronteira da Polónia com a Bielorrússia: crise migratória, ataque geopolítico ou ambos?

A União Europeia acusa o regime bielorrusso de, em reação às sanções que lhe foram impostas, abandonar o controlo migratório e permitir a deslocação de refugiados para a fronteira com a Polónia. Encontram-se atualmente duas a quatro mil pessoas num acampamento improvisado na fronteira polaca, num momento em que o frio e a falta de condições causou já mais de uma dezena de mortes.

Foto: Oksana Manchuk/AFP via Getty Images

Milhares de migrantes oriundos sobretudo da região norte do Iraque, da Síria e outros países do Médio Oriente encontram-se na fronteira entre a Polónia e a Bielorrúsia (mais especificamente no posto de controlo Bruzgui-Kuznitsa), a par com as fronteiras da Lituânia e da Letónia, que estão também a começar a ser pressionadas, ainda que numa escala menor. A União Europeia (UE) afirma que o regime de Minsk está a agir em reação às sanções que lhe foram impostas, e acusa o Presidente bielorrusso, Aleksandr Lukashenko, de instrumentalizar os migrantes e orquestrar um "ataque híbrido". O presidente bielorrusso nega estas acusações e transfere as culpas para a UE, reiterando que as sanções impedem o financiamento do controlo fronteiriço e que Bruxelas se recusa a instalar campos de refugiados.


Apesar de não existirem contagens oficiais, entre as temperaturas baixas do inverno e a falta de condições de saúde, alimentação e higiene, foram já contabilizados na fronteira pelo menos doze mortos, incluindo um bebé de um ano. No dia 18 de novembro, alguns migrantes foram levados pelas autoridades bielorrussas para um armazém onde tiveram abrigo temporário.


O REGIME BIELORRUSO E AS SANÇÕES DA EU

No passado mês de maio, Lukashenko ordenou o desvio e a aterragem de emergência de um avião comercial da Ryanair, de forma a proceder à detenção do jornalista e apoiante da oposição democrática ao regime de Misk, Roman Protasevich, que se encontrava a bordo.

Em resposta a esta ocorrência, que Bruxelas classificou como "totalmente inaceitável", foram aplicadas ainda mais sanções económicas à Bielorrússia, agravando assim as que haviam já sido impostas pela UE no rescaldo das eleições presidenciais de 2020, consideradas fraudulentas e que garantiram a Lukashenko um sexto mandato. O Conselho Europeu declarou, na altura, que “a decisão [de aplicar as sanções] foi tomada tendo em conta a escalada de graves violações dos direitos humanos na Bielorrússia e a repressão violenta da sociedade civil, da oposição democrática e dos jornalistas”.


O RETALIAR DE LUKASHENKO E A CRISE HUMANITÁRIA NA FRONTEIRA

Em julho, alegadamente como resposta às sanções aplicadas, Lukashenko ameaçou a UE com a abertura das suas fronteiras e o fim da impedição da chegada de refugiados ao bloco europeu. E assim foi, tal que, no início de novembro, milhares de requerentes de asilo já se encontravam concentrados na fronteira polaca com a Bielorrússia.


Segundo agentes de viagens iraquianos, a Bielorrússia facilitou a obtenção de passaportes, e a companhia aérea nacional, Belavia, aumentou o número de voos com destino a Minsk. O chefe de estado bielorrusso admitiu ainda, em entrevista à BBC, que é “absolutamente possível” que as forças bielorrussas tenham ajudado os migrantes a chegarem junto à fronteira, mas nega tê-los “convidado” - apesar destas declarações não estarem de acordo com a versão contada pelos próprios refugiados, que admitem que o governo bielorrusso lhes facilitou viagens de autocarro de Minsk até à fronteira com a Polónia, e que as forças de segurança lhes forneceram alicates e machados para cortar a vedação de arame farpado.


Para o historiador e professor da Universidade do Porto, Manuel Loff, "Lukashenko limitou-se a aprender a lição com Erdogan", referindo-se aos acordos celebrados entre a UE e vários outros países - inclusive com a Turquia - segundo os quais a União Europeia lhes fornece ajuda financeira em troca de estes reterem e controlarem o influxo de migrantes.



Os esforços dos migrantes de tentarem furar e ultrapassar esta vedação imposta pela Polónia foram contrariados por um reforçado aparato militar, gás lacrimogéneo e canhões de água. Organizações não governamentais e ativistas, inclusive dentro dos países envolvidos no conflito, acusam quer as forças de segurança bielorrussas quer as polacas de violência excessiva.


Em outubro, o parlamento polaco aprovou uma lei que permite a expulsão de migrantes que ultrapassem a fronteira, removendo a obrigação de analisar a sua situação. Esta lei não vai de encontro ao previsto na lei internacional, segundo a qual nenhum requerente de asilo pode ser expulso e repatriado se no seu país de origem a sua segurança e bem-estar possam estar em risco. Está ainda previsto que qualquer migrante tem o direito a candidatar-se ao estatuto de refugiado e a ter a sua situação analisada pelas autoridades competentes.


Assim, os migrantes ficam “encurralados” entre os dois países, impedidos de regressar a Minsk pelas forças bielorrussas, e impossibilitados de entrarem em solo polaco.



Entretanto, o governo de extrema-direita polaco, liderado por Mateusz Morawiecki, decretou o estado de emergência na fronteira, o que impede o acesso de todos os não residentes incluindo organizações não governamentais e imprensa.

Lukashenko e a agora ex-chanceler alemã cessante, Angela Merkel, conversaram já por duas vezes acerca da crise fronteiriça, “especialmente acerca da necessidade de ajuda humanitária e opções de repatriamento para os refugiados e migrantes na zona”, confirmou o porta-voz do governo alemão. Vale a pena aqui sublinhar que o governo da Bielorrússia não é reconhecido oficialmente pela EU, tendo esta sido a primeira vez que o líder de um estado-membro contactou diretamente com o presidente bielorrusso.



O PAPEL DA RÚSSIA

O presidente da Lituânia afirmou que os migrantes estão a passar por Moscovo antes de chegarem a Minsk, e o primeiro ministro polaco acusa Putin de estar a orquestrar esta crise.


Historicamente, a Rússia tem uma relação muito estreita com a Bielorrússia. Putin é o único grande aliado de Lukashenko, e a Rússia apoia o regime bielorrusso a nível político e económico há vários anos. Em 1996, os dois países formaram uma união supranacional.


Em relação à crise migratória na fronteira com a Polónia, Putin nega estar envolvido, mas posiciona-se ao lado de Lukaskenko ao culpabilizar a EU e a Polónia. Por outro lado, quando em novembro o presidente bielorrusso ameaçou cortar o fornecimento de gás natural para a Europa caso fossem aplicadas mais sanções, o Kremlin assegurou que tal não aconteceria, já que as duas linhas de abastecimento que passam em território bielorrusso têm origem na Rússia. Na mesma altura, durante dois dias consecutivos foram enviados dois bombardeiros russos com capacidade nuclear para o espaço aéreo da Bielorrússia, depois de o presidente da Bielorrússia ter pedido a Putin para “vigiar” a fronteira com a EU.


O historiador Manuel Loff esclarece que a situação não pode ser vista "preto no branco", mas que a Rússia tem interesse no resultado das políticas anti-Europa de Lukashenko.



COMO SE PODE RESOLVER ESTA SITUAÇÃO?

À luz da lei internacional, como explicado anteriormente, teria de ser levado a cabo um processamento destes requerentes de asilo e uma análise da sua situação. No entanto, dadas as características do governo Polaco, os especialistas não acreditam que tal vá acontecer. Restam assim, para o historiador Manuel Loff, duas opções: a celebração de um acordo de controlo fronteiriço entre a UE e a Bielorrússia, semelhante aos que se encontram em prática com a Turquia e outros países; ou a distribuição destes migrantes por outros países europeus.



Ainda assim, esta situação não parece ter fim à vista, tendo já sido tomadas várias medidas para conter o fluxo migratório.

Bruxelas aprovou uma quinta ronda de sanções contra personalidades e organizações ligadas ao regime do presidente e ao regime bielorrusso.

Várias companhias aéreas iraquianas, turcas e sírias suspenderam os voos para MInsk, sendo que entretanto a UE aprovou uma "lista negra" para transportadoras envolvidas no trânsito para a fronteira europeia, sendo que no mesmo pacote de medidas foram também disponibilizados 700 mil euros para a assistência humanitária.

Desde novembro que o governo iraquiano já levou mais de três mil pessoas de volta em voos de repatriamento.

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