O encontro entre o Benfica e o Belenenses SAD na 12ª jornada da liga marcou um dos episódios mais vergonhosos da história do futebol nacional. No rescaldo, é urgente usar o jogo para refletir sobre o estado decadente da modalidade em Portugal.
48 minutos. Foi este o tempo que demorou a terminar um jogo que não devia, em circunstância alguma, ter começado. À 12ª jornada da liga, entraram em campo, no Estádio do Jamor, a equipa do Benfica e o coletivo do Belenenses SAD. Ou melhor dizendo, os jogadores que sobraram ilesos ao surto de Covid-19 que assolou a equipa de Belém. Onze contra nove. E o que se seguiu foi um dos episódios mais vergonhosos da História do “futebol” em Portugal.
Dos 9 jogadores da equipa azul, duas eram da equipa principal, um dos jogadores de campo foi João Monteiro – guarda-redes – e o resto eram elementos da equipa sub-23. Do lado da equipa benfiquista, os do costume. O circo de horrores montou-se e o que se passou a seguir foi tão triste quanto desnecessário. E de quem é a culpa? De mais gente do que se irá admitir.
Em primeiro lugar, a incompetência vilã do presidente do Belenenses SAD, Rui Pedro Soares, é indescritível. Como é que um presidente de uma equipa devastada por um surto de covid-19 não formaliza um pedido para o adiamento do jogo? Como é que um presidente de uma equipa permite que 9 dos seus jogadores subam a campo para disputar um jogo tão injusto à partida? Como é que esse mesmo presidente tem o desplante de abandonar o campo em lágrimas ao intervalo? Depois de ignorar a dignidade daqueles que carregam o símbolo do clube ao peito. E no fim, tenta esquivar a responsabilidade alegando “ter falado com Pedro Proença” antes do jogo. Imperdoável.
Quanto à Liga Portugal, é triste que uma entidade que, no seu site, afirma primar “pelos valores da Credibilidade, Agregação, Talento e Espetáculo”, tenha sido conivente com a realização do jogo. Nenhum regulamento ou calendário é justificação. São episódios destes que tornam o futebol tão fácil de não se gostar. E uma liga que permite que um jogo se desenrole nestas circunstâncias, demonstra zero respeito pelos jogadores, pelos adeptos, pelo futebol e pelo desporto em si.
Do outro lado do campo, a equipa benfiquista fez o seu trabalho, futebolisticamente falando. E são os menos culpados da tragédia dantesca que se montou. Mas, ainda assim, não havia razões para uma humilhação de tal dimensão. Sim, o Benfica não tinha obrigação de “jogar pior por pena” nem de usar “jogadores de reserva”. A formação benfiquista podia até marcar 30 golos. É válido. Mas festejar? Festejar o quê mesmo? Com que mérito? Por mais que tenha sido de forma contida e sóbria, festejar em frente a um grupo de jogadores que, num esforço heroico e apesar a incompetência inacreditável do seu próprio presidente e da Liga, não deixaram de comparecer em campo, é uma entrada a pés juntos ao fairplay. Os que menos mereciam o espetáculo lamentável que se montou, foram as maiores vítimas do mesmo.
O que se passou no pseudo-jogo que opôs o Belenenses SAD ao Benfica não foi futebol. Não foi mais do que um episódio miserável de um desporto cada vez menos “rei”. Para os 9 guerreiros do Belenenses SAD, um bem-haja. O confronto que travaram não foi contra a equipa competente do Benfica, mas sim contra o sistema decadente do futebol nacional. Ao final da noite, o jogo que terminou 7-0 não teve um vencedor, só um derrotado, bem perto da despromoção: o futebol português.
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