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Foto do escritorFernando Costa

Opinião: As pirâmides invertidas são para desconstruir

Os egípcios erguiam pirâmides para servirem de túmulos para os faraós. Na atualidade distópica, os jornalistas constroem pirâmides de pernas para o ar, que podem vir a ser túmulos para o seu próprio trabalho.


“O mais importante no topo, o menos em baixo”. Logo nos primeiros passos ainda desengonçados e trôpegos da nossa – esperamos nós – longa caminhada no mundo do jornalismo, conhecemos a pirâmide invertida. Desconfiados, pensamos: “Pirâmides eu já conhecia. Mas invertida? Isso não vai cair?”. No entanto, entre promessas de que será a nossa melhor amiga, quando damos por nós, também já pomos, como deve de ser, “o mais importante no topo, o menos em baixo”.


Não querendo ser mal interpretado, eu percebo. Os tempos de atenção são cada vez mais curtos. Distraímo-nos com coisa nenhuma, temos de perceber tudo “já!”, e como tudo é cada vez mais imediato, já não temos pachorra para ler uma notícia do início ao fim. Então, faz todo o sentido que o jornalista – por natureza, uma espécie samaritana, boa e pura - ponha tudo o que realmente importa nos primeiros dois, três parágrafos e, se for feriado, no quarto. Assim, o leitor impaciente vai perceber tudo, sem ler tudo. Certo? Não. Erradíssimo.


Nos dias que correm, cada vez mais apressadamente, os jornalistas estão a contribuir ativamente para que se entendam “meias-histórias” como histórias completas. Porque se as próprias notícias já estão escritas de forma a “não importar” se não se ler tudo, ninguém se está a esforçar. “Ah, mas se a pessoa quiser ler tudo, lê tudo”. Verdade. Mas neste esforço desenfreado de por “o mais importante no topo, o menos em baixo” perdem-se muitas coisas.


Em primeiro lugar vamos perdendo, cada vez mais, os leitores – e com a crise da venda de jornais, não podemos dar-nos a esse luxo. Porque se podem só ler o topo das notícias, porque raio hão de comprar jornais completos? Podem só abrir um ou outro no quiosque, ler o título, o lead, dois parágrafozitos (se tanto) e seguir caminho. Seja como for, “o importante já está”. Em segundo lugar, perdemos tempo, esse bem tão escasso e precioso do jornalista. Porque ir ao terreno, lutar pela melhor declaração, pelo quadro completo dos factos, para no fim termos de atirar metade para “a parte que ninguém lê” é ingrato. Em último, perdemos valor. A arte do jornalista passa, não só pela construção da narrativa e da exposição das histórias, mas de as tornar apelativas. E, inevitavelmente, a pirâmide invertida obriga-nos, recorrentemente, a desprovir o nosso trabalho de apelo, em prol da preguiça de quem “lê”. A sermos menos artistas.


E, desta forma, o jornalista torna-se cada vez mais uma espécie mole e derrotista. Não teria sido mais fácil, em vez de se insistir numa pirâmide ao contrário, investir-se na procura de métodos para tornar as notícias mais apelativas e o jornalismo mais holístico e interessante?


É desanimador, enquanto futuro jornalista, ver que a profissão consiste em trabalhar por uma causa tão nobre como a busca pela verdade, com intervalos de autossabotagem em que pomos “o mais importante em cima, o menos em baixo”. Mas se não sou o primeiro a pensar nisto – e tenho a certeza absoluta que não sou – se calhar está na hora de pararmos de olhar para as pirâmides e passarmos a olhar para outros monumentos quaisquer que enalteçam mais o que fazemos. Que nos permitam apresentar histórias mais robustas, completas e apelativas. Que estimulam quem ler a ultrapassar a preguiça e a passividade. Porque ação gera – ou deve gerar – reação. Porque se o leitor gostar de ler uma notícia, vai ler mais notícias. E se ler mais notícias, vai comprar jornais.


E sim, o jornalismo online já vai tratando de deitar as pirâmides. Mas isto não deve ser uma questão de embalar a pirâmide até que adormeça. É mesmo uma questão de desconstruir.


Entretanto, enquanto não há melhor, continuaremos a por as coisas como deve de ser: “o mais importante em cima, o menos em baixo”. Mas sempre a lutar, com leads mais ousados e melhores textos, pela busca de outra forma de fazer jornalismo. Porque uma pirâmide invertida, só se apoia num vértice e das duas uma: ou enterra, ou cai. Fiquemos à espera para ver qual acontece.

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