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Opinião: Os crimes da Igreja e a doutrina de varrer para debaixo do tapete


Foto: Angela Pereira

Não sou católica praticante, mas gosto de acreditar que é possível depositar fé nas pessoas. Torna-se, porém, extremamente difícil não perder a esperança quando se assiste a um espetáculo de horrores advindo de uma instituição cuja fundação é a apregoação do Bem e a filosofia do amor ao próximo.


Abuso sexual a menores por parte de padres já deixou de ser uma novidade. O choque, por sua vez, continua a existir. A posição de padre - ou um título relacionado com a hierarquia católica - concede um "free pass" sem consequências a pessoas sem escrúpulos, e a Igreja pouco faz para combater este problema. Pelo contrário, vejo um grande esforço para abafar estas histórias, levando ao descrédito das vítimas e permitindo que estes atos vis saiam impunes.


Estamos a falar de milhares de crianças e jovens. Casos que surgem de debaixo das pedras, sistematicamente, há já muitos anos. De acordo com o recente relatório independente francês, só no país, entre 1950 e 2020, mais de 200 mil menores foram abusados sexualmente por padres e outros membros da hierarquia católica. Números como estes mostram uma realidade aterradora, sustentada por uma instituição que se comprometeu a acolher e tomar responsabilidade por estas crianças e jovens.


A Igreja parte da fundação do puritanismo e os padres são, por extensão, representações daquilo que é bom e legítimo. Tornam-se autênticas entidades místicas por carregarem o título de representantes da palavra de Deus. E essa glorificação faz esquecer o facto de serem pessoas, e de nem terem necessariamente de ser pessoas boas.

Os fiéis refugiam-se nestas personagens, depositando neles uma confiança cega. E é neste ponto que acontecem algumas das situações mais repugnantes e inimagináveis.


A inação contribui significativamente para a perpetuação de um comportamento inadmissível, que destrói vidas e deixa cicatrizes permanentes em milhares de pessoas. Atrevo-me a descrever a atitude que tem sido mostrada para a resolução destas situações como macabra e profana. Vêm-se crimes a serem dissimulados em mentiras e omissões, pedófilos a serem relocalizados ao invés de julgados e castigados. É importante salientar este segundo ponto, já que a proteção dada aos padres abusadores incentiva a expansão do número de vítimas e a criação de criminosos em série.


Em pleno século XXI, com todo o acesso possível a testemunhos, estatísticas e histórias reais, seria de esperar que já tivessem sido feitas reformas para limpar a reputação da instituição religiosa. Instituição essa que molda as mentes de quem tem fé e que, ao continuar a proteger os abusadores, normaliza a falta de punição à pedofilia. E não é como se fossem casos pontuais, ou de outros tempos, ou de outras realidades.


Há quem diga que isto é culpa do celibato. Pois então que reformulem as leis da Igreja, porque os tempos mudam e com eles, os valores. E mesmo que se usasse o celibato como desculpa - o que, a meu ver, não tem pés nem cabeça - nada justifica o facto de se aproveitarem da inocência de menores.


Quero que fique claro que esta revolta não é direcionada à doutrina católica. Mas fervo com a hipocrisia de uma instituição que se diz tão conservadora e moralista no que toca à sexualidade e que comete os piores crimes sexuais. E fico repugnada com as distâncias que são percorridas para fingir que não existe um problema. Porque existe. E não são pedidos de perdão públicos ou indeminizações que vão compensar os danos emocionais e físicos das vítimas.


A Igreja é uma instituição com história e legado. Foi fundada por pessoas e evolui com elas. Não se espera, portanto, que seja impecável ou sem falhas. Mas pela história, são demasiadas as abominações praticadas pela igreja, desde a Inquisição até aos mais variados casos de adultério e escândalos sexuais. Esperar-se-ia que, com o tempo, aprendessem com os erros e corrigissem os princípios de quem edifica a religião. Mas esse tempo continua a passar, os crimes continuam a ser praticados, e perde-se o propósito.


Não se espera que seja impecável, mas não se podem permitir falhas desta magnitude. Corrompe-se o respeito, a reputação, a própria fé. Os hipócritas que pregam a pureza da alma para a salvação sem a praticar, são aqueles que merecem a condenação eterna.

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