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Foto do escritorAngela Pereira

Crónica: Contagem decrescente para o fim do mundo

Este ano, em Glasgow, reuniram-se - mais uma vez - os líderes mundiais e respetivos representantes para definir ações a tomar a fim de mitigar a crise climática que atravessamos. E, para surpresa de ninguém, o que surgiu da cimeira foram manchetes que descreveram o acordo como "imperfeito". Mais uma vez, interesses político- económicos sobrepõem-se à esperança de poder atrasar o relógio. Mais uma vez, as "metas" que tão obrigatoriamente se têm de cumprir, magicamente perdem a urgência. Mais uma vez, existem intenções, mas não surgem resultados . Passeia-se por mais um acordo bonito onde se lêem termos como "redução progressiva" quando se devia estar a trabalhar intensivamente para implementar um método de vida sustentável.


O que está em prática não é suficiente. Os objetivos que tanto se discutem para uma salvação hipotética não levam a lado nenhum, porque não contemplam as necessidades reais para combater as repercussões que este desastre promete.


A divisão da infâme Cimeira do Clima resume-se a duas partes muito distintas: de um lado, existem os países que têm alguma influência sobre o assunto, países esses que claramente não priorizam ser flexíveis; do outro, estão os países cujo destino está inteiramente em mãos alheias. Vemos, aliás, aqueles com menos recursos a fazerem um esforço mais significativo do que os que têm mais espaço para o fazer; vemos também países que assumidamente não tencionam responder à urgência da situação, porque não lhes convém. Deixa-se ao abandono o pensamento coletivo; prioriza-se a bolha de cada país, quando se devia uniformizar a mentalidade. Pensa-se em países, quando se devia pensar em planeta. Porque todas as vidas estão em jogo e, neste momento, a mudança já não está ao alcance de todos.


Para se conseguir orquestrar um plano funcional que cubra o globo, seria necessário que todos os países estivessem em pé de igualdade a nível de recursos. O que não acontece. Há anos que se prometem "estímulos financeiros" aos países do Sul Global mas, na hora de verificar as contas, essas promessas ficam só no papel. E os anos passam, e assinam-se mais acordos cordiais - e sempre controversos - que na verdade não implementam nada de novo. E continuamos a caminhar rumo ao precipício. E os que têm a sorte de ter nascido privilegiados, movimentam-se ocasionalmente para falar sobre "o problema da crise climática", enquanto outros a sentem na pele todos os dias, sem qualquer chance de fugir, pedir ajuda ou intervir.


As mudanças climáticas vão ter consequências fatais no futuro, isso é inquestionável. Mas um facto é que essas mesmas consequências já estão a deixar marcas irreversíveis, hoje. A vida, o próprio direito à vida está a ser desvalorizado em função de dinheiro, de interesses políticos, de sobreconsumo, desta fome insaciável que se tornou tão típica do ser humano. E a cegueira provocada por uma ganância que não acaba faz com que se pisem outros seres humanos, se aniquilem outros seres vivos e até com que se corrompa o planeta.


Hoje, continuamos a escolher não ver o que já está a acontecer. Já passou a fase dos avisos, tendo essa dado lugar a ultimatos. Temos data marcada para um cenário apocalíptico, mas não se presta atenção ao calendário. O ser humano acomodou-se à ideia de que pode ter tudo, incessantemente, mas já há anos que se fala na urgência de mudar hábitos, de tomar medidas drásticas e repensar na forma como se vive. E o que não falta são movimentos onde se lêem frases como "não há planeta B" ou "não se pode comer dinheiro". Não faltam intervenções, não falta informação, não falta educação. Falta a vontade de mudar um bocadinho todos os dias; falta a vontade de abrir mão da máquina de fazer dinheiro por parte das únicas pessoas que podem tomar decisões impactantes. O futuro, o nosso futuro, está nas mãos de meia dúzia de indivíduos que escrevem num papel todos os anos aquilo que supostamente se tem de fazer. E também são essas pessoas que não vão fazer nada.


Foto: Angela Pereira

Valham-nos a energia dos mais jovens que perdem a voz a tentar passar uma mensagem. Valham-nos as greves, as manifestações e as pessoas que dão a cara pela causa de preservar a existência. Valham-nos as vozes que lembram que a sobrevivência da raça humana não passa apenas pela mudança dos hábitos humanos, mas também pela preservação do que já cá estava antes de nós, e que tão gentilmente nos sustenta. Valha-nos a esperança de que, um dia, estes movimentos se fundem no senso comum, que as mentalidades se organizem em prol de uma única causa e que essa causa seja reaprender a viver. Porque, se não for isso, já nada nos vai poder valer.


Hoje, escolhemos não ver o que é tão inevitável. E enquanto escolhemos não ver, condenamos a existência, um dia de cada vez. Até chegar o dia em que não existe um amanhã.



CRÓNICA
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