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Foto do escritorFernando Costa

Casa Pia Atlético Clube: Quem diria que os Gansos voavam assim

O clube dos gansos - como é conhecido - detém o recorde de menor soma cumulativa de pontos de sempre na 1ª divisão do campeonato de futebol, mas protagonizou episódios incontornáveis da História do desporto em Portugal. Presente no panorama futebolístico desde os seus primórdios, o Casa Pia soma já 101 anos de polémicas, paradoxos e conquistas.

Primeira equipa do Casa Pia Atlético Clube em 1920. Em cima: José de Almeida, Gomes, Ângelo, Cândido de Oliveira, António Pinho e Nunes. Em baixo: José Gralha, António Lopes, Rosmaninho, Loureiro e Álvaro Gralha. Fotografia retirada do Facebook do Casa Pia Atlético Clube

26 de março de 1939. Foi nesta data que com dois golos desenhados pelos pés de Ramos Dias, o Casa Pia Atlético Clube (CPAC) conquistou dois pontos frente ao coletivo do Barreirense. Naquela que acabou por ser a única vitória do clube casapiano na época, a equipa conquistou os únicos pontos que teria até ao encerramento do campeonato. E até hoje.


Depois da despromoção, o Casa Pia não voltou a pisar o relvado para disputar jogos da 1ª Divisão Nacional e, assim, acabou por deter, até ao presente, o recorde de menor soma cumulativa de pontos da História da Primeira Liga. Para referência, em comparação com os seus dois pontos, o Benfica, líder de pontuação, conta um total de 3882 pontos acumulados.


No entanto, fintando qualquer calculadora ou livro de recordes com uma mestria invejável, o clube dos gansos – como é conhecido – manteve, por entre mudanças de Estádio, crises económicas e a passagem por modalidades exóticas como o basebol, uma História que soma já 101 anos. Desde a sua formação até ao confronto com o Campeão Nacional Sporting na Taça de Portugal, ainda esta época, o Casa Pia mantém-se erguido, nas palavras do seu historiador Hélder Tavares “por causa da sua mística”.


“Oh, p’ra eles, todos elegantes! Parecem uns gansos!” – piropo que deu origem à nomenclatura de “gansos”, ainda hoje associada ao CPAC

O nascimento do ganso


Foi fundado em 1920, ao terceiro dia de julho, por personalidades do mundo do futebol como António Pinho, Ricardo Ornelas e Cândido de Oliveira, antigo selecionador nacional e jogador do Benfica.


No entanto, ainda em 1893, já se começava a escrever o preâmbulo de uma História que, perante os obstáculos que se foram encontrando, nunca prometeu ser muito longa. A vitória de uma equipa de casapianos contra o Carcavelos Club em 1898, marcou o primeiro passo em direção ao estabelecimento do futebol como principal modalidade do futuro clube.


Equipa de Casapianos que venceu o Carcavelos Club em 1898. Fotografia retirada do site do Casa Pia Atlético Clube

No seu ano de fundação oficial, o Casa Pia venceu sem derrotas o campeonato distrital de Lisboa e a Taça Associação. Antes da sua estreia na 1ª Divisão tornou-se ainda a primeira equipa do continente a deslocar-se aos Açores para enfrentar o Fayal Sport Clube num jogo em que as receitas reverteriam a favor das vítimas de um sismo ocorrido em 1922 no arquipélago.


A época de 1938/39 marcava a estreia e, até hoje, única presença do CPAC na 5ª edição do campeonato da 1ª divisão de futebol Nacional - primeira a denominar-se, efetivamente Primeira Divisão depois de 4 campeonatos com o nome de “Primeira Liga Experimental”. O clube acabaria por terminar no oitavo e último lugar com 2 pontos conquistados numa vitória contra o Barreirense por 2-1 (na altura, cada vitória valia 2 pontos, ao invés dos 3 que se verifica atualmente).


Os gansos acabariam por não voltar a competir na 1ª divisão. Questionado pel’O Ardina acerca das razões para este fenómeno, Hélder Tavares afirmou que “o problema do Casa Pia foi sempre político”. Logo na época seguinte, 1939/40, o Estádio do Restelo – primeiro campo do CPAC – foi expropriado pelo Estado Novo para a realização da Exposição do Mundo Português.


O historiador do CPAC acrescentou ainda que “o Casa Pia andou sempre de sede às costas em Lisboa”. Depois da expropriação do Estádio do Restelo, o clube esteve 14 anos a jogar em campos emprestados até, em 1954, inaugurar o Estádio Pina Manique, em Benfica, onde ainda hoje disputa os seus jogos. O estádio localiza-se propositadamente longe das instalações da Casa Pia de Lisboa, já que os alunos da instituição só podiam participar em campeonatos organizados para a mocidade portuguesa.


Inauguração do Estádio Pina Manique a 29 de Agosto de 1954. Fotografia retirada do Facebook do Casa Pia Atlético Clube

Um dos fundadores do CPAC, o treinador e capitão da primeira seleção nacional portuguesa, Cândido de Oliveira, foi também enviado para o campo de concentração do Tarrafal, onde permaneceu de abril de 1942 a 1944. O casapiano foi detido pela PIDE devido à sua atividade antifascista que passou por se ter tornado agente secreto em Portugal para a Inglaterra com o nome de código Pax. Acabou por ser libertado no final da Segunda Guerra Mundial.


Um dos segredos para a subsistência do clube, apesar das adversidades políticas é, para Hélder Tavares, a ligação à instituição da Casa Pia de Lisboa.


Negro da Casa Pia e da Seleção


Era para se ter travado em 1912, mas não foi até 1921 que se deu o primeiro jogo da seleção nacional. O duelo opôs a equipa das quinas à seleção espanhola e realizou-se em Madrid. O atraso de nove anos deveu-se a problemas ao nível das negociações da distribuição das despesas entre as duas equipas. Assim, ao apito inicial do árbitro belga Barrette Cazelle, entrou em campo o primeiro onze da equipa portuguesa. Dos onze, seis jogadores eram casapianos: António Pinho, António Lopes, José Maria Gralha, António Ribeiro dos Reis, Vitor Gonçalves e o capitão Cândido de Oliveira.


No entanto, ao invés verde e vermelho que há décadas caracterizam o equipamento das quinas, foi de negro que os jogadores portugueses entraram em campo. O negro do CPAC, já que foi o clube que emprestou os seus equipamentos à primeira seleção nacional.


Primeira Seleção Nacional com o Equipamento do Casa Pia Atlético Clube. Fotografia retirada do Facebook do Casa Pia Atlético Clube

Apesar disto, segundo o historiador do Casa Pia, Hélder Tavares, a escolha pelo negro não se tratou de uma escolha aleatória. Ou melhor dizendo, a óbvia opção de utilizar as cores da bandeira nacional no equipamento, não foi rejeitada sem razão. É importante salientar que em 1921, a implantação da República havia ocorrido há apenas 11 anos. Desta forma, a aceitação do – na altura - recente sistema de governo, ainda não era unânime o suficiente para que se tomasse a decisão de inserir as cores da bandeira nos equipamentos.


O encontro terminou com o triunfo da seleção espanhola sobre a portuguesa, com uma vitória por 3-1.


Os Gansos não se fizeram só de futebol


Apesar da modalidade principal do Casa Pia ter sido sempre o futebol, a História do clube vai além dos relvados. Um dos fundadores do CPAC, Mário da Silva Marques, foi o primeiro nadador olímpico português, tendo participado nos Jogos Olímpicos de Paris em 1924. De outras conquistas em modalidades por atletas casapianos podem destacar-se ainda o episódio em que Mira Barroso, ainda aluno da Casa Pia, bateu o recorde Nacional de 80 metros em atletismo em 1938 ou a vitória do Campeonato Nacional de Luta em 1989/1999 por Hugo Passos.


Hugo Passos nos II Jogos do Mediterrâneo de Praia - Patras 2019. Fotografia retirada do site do Casa Pia Atlético Clube

A prática de diversas modalidades deve-se, para Hélder Tavares, ao facto da Casa Pia ter um historial de desporto intrínseco. A instituição de ensino foi das primeiras em Portugal a ter um ginásio e tinha a natação como uma atividade obrigatória.


Além das diversas modalidades disputadas por atletas do Casa Pia, houve uma que merece destaque pela sua peculiaridade no panorama desportivo nacional: o basebol.


Apesar da modalidade ter conquistado mais praticantes em Portugal a partir do final da década de 80, o Casa Pia praticava basebol já nos anos 20. J. Osterlund, um membro da colónia americana em Portugal, introduziu o desporto na comunidade do Casa Pia e obteve gratuitamente todo o material necessário para a prática do desporto. O basebol era praticado no campo do Restelo e opunha alunos e ex-alunos. O desporto era utilizado para manter os jogadores de futebol em boa forma física durante o Verão, já que a modalidade sofria um interregno nos meses de maior calor.


A 4 de Julho de 1923, os jogadores da Casa Pia derrotaram a equipa da Colónia Americana por 25-24. O desporto acabou por ser descontinuado e extinto das modalidades do clube por falta de adversários de outros clubes.


Os escândalos de pedofilia e o Clube


A 23 de Setembro de 2002, um aluno da Casa Pia alegou, em entrevista à jornalista do Expresso Felícia Cabrita, ter sofrido abusos sexuais na juventude. Apesar de, já em 1981, a Polícia Judiciária ter acusado um funcionário da Casa Pia de abuso sexual de menores e proxenetismo, foram as denúncias por parte dos ex-casapianos em 2002 que levou ao ressurgimento do Caso Casa Pia.


Os alegados responsáveis pelos abusos sexuais de menores seriam figuras públicas e o ex-funcionário da Casa Pia, Carlos Silvino – conhecido como Bibi. O ex-funcionário acabou por confessar 639 crimes relacionados com o abuso de menores. A Polícia Judiciária estimou ainda que dos 4600 alunos inscritos na Casa Pia no período investigado, mais de 100 rapazes e raparigas pudessem ter sido vítimas de abusos sexuais.


Para o historiador do Casa Pia, no cerne dos escândalos da pedofilia estava a “má condução da Casa Pia”. Segundo o mesmo – ele próprio ex-casapiano – houve, na altura, uma mobilização de antigos alunos para confrontar a Dr. Catalina Pestana – antiga provedora da Casa Pia – com uma série de situações inexplicáveis que aconteciam na instituição (como o facto de existirem alunos internos a chumbar por faltas, sem que se questionasse o seu paradeiro).


Hélder Tavares, afirma ainda que os escândalos foram “péssimos para o Casa Pia e para todos os casapianos” tendo em conta que a crise reputacional que se abateu sobre a instituição de ensino acabou por tingir a própria reputação do clube, por associação.


O Futuro


De olhos postos no que aí vem, Hélder Tavares, sem conseguir esconder o sorriso, afirma em nome da equipa de futebol do CPAC que “o objetivo é subir”. O clube ocupa atualmente o segundo lugar da tabela da 2ª Divisão Nacional e o sonho de regressar, mais de 80 anos depois à primeira, parece mais vívido que nunca. Muito do recente sucesso da equipa, atribui-o a Rúben Amorim, o atual treinador do Sporting. “Foi a nossa sorte” diz.


O treinador vencedor do Campeonato em 2021, esteve ao serviço do Casa Pia na época 2018-2019, tendo-se demitido após 22 jogos. Na base da demissão esteve um castigo aplicado ao treinador devido a Amorim ter dado orientações para dentro do campo, ainda que não tivesse o nível adequado do curso de treinador para tal. O castigo repercutiu-se ainda na perda de 6 pontos para o CPAC na série D.


Rúben Amorim ao serviço do Casa Pia Atlético Clube. Fotografia Retirada do Facebook do Casa Pia Atlético Clube

O historiador do Casa Pia, refere ainda outra vitória, mais importante do que uns quantos golos marcados: o fim de uma antiga dívida às finanças. Refere que o CPAC “deve muito” ao seu Presidente por ter aguentado o clube numa altura “muito difícil financeiramente”. No entanto, não deixa de reconhecer que há dificuldades e obstáculos que ainda faltam ultrapassar como a necessidade de fazer uma Sociedade Anónima Desportiva (SAD).


Aquando da realização da entrevista a Hélder Tavares, havia sido anunciado há dois dias que o Casa Pia enfrentaria o Sporting nos oitavos de final da Taça de Portugal. O historiador limitou-se a afirmar que “com o Rúben não vai ser fácil”. O Casa Pia acabou por perder a partida por 2-1 e foi eliminado da Taça de Portugal, apesar de ter inaugurado o marcador.


101 anos depois da sua formação, o Casa Pia Atlético Clube está de novo com os olhos postos numa possível subida. Mesmo que não aconteça e os pontos acumulados continuem a ser dois, a certeza é de que a vontade de atingir voos mais altos, nunca cessará. Quem diria que os gansos voavam assim.

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