Rui Rio venceu as eleições diretas do PSD com 52% dos votos, contra os 48% de Paulo Rangel. Para a História fica um confronto tão inflamado quanto renhido entre dois sociaisdemocratas convictos em elevar o partido aos tempos áureos do passado.
Foi no conselho nacional, a 14 de outubro que Rui Rangel anunciou que seria candidato à presidência do PSD, depois de Rio ver chumbada a sua proposta de adiamento das diretas devido à iminência de eleições antecipadas. No anúncio, Rangel defendeu que o PSD deveria ser "mais agregador" e uma "oposição mais firme". O eurodeputado acabou por apresentar a sua candidatura a 15 de outubro, em Lisboa.
Quatro dias depois, Rui Rio, anunciava - depois de uma reflexão sobre as condições políticas, pessoais e de apoio para se candidatar às diretas - a sua intenção de se recandidatar ao seu terceiro mandato enquanto presidente do PSD. No discurso de apresentação de candidatura, Rio afirmou que "os portugueses não entenderiam uma não-recandidatura do líder" depois de enunciar os feitos do partido nos últimos tempos, da recuperação do Governo Regional dos Açores ao resultado simpático que obteve nas autárquicas. Para o líder do PSD, uma mudança de presidente seria "muito prejudicial para o partido e, principalmente para Portugal", acabando por reforçar que se começou a verificar uma "clara inversão do atual ciclo político".
A 15 de novembro foi introduzido, por alguns dias, um terceiro candidato às diretas do partido. O antigo candidato do PSD à Câmara de Alenquer, Nuno Miguel Henriques assumiu-se como a "terceira alternativa" e assegurou representar a voz dos militantes sociaisdemocratas "que têm estado em silêncio". Uma semana depois, a 22 de novembro, o terceiro candidato desistiu da corrida à liderança do partido "a bem do país e do PSD". O socialdemocrata referiu ter reunido com Rio e Rangel e ter decidido retirar-se das eleições de forma a que "se resolvesse o mais rápido possível a liderança do PSD".
A preparação do "combate"
Para Paulo Rangel, ir a eleições diretas não foi novidade. Já tinha sido candidato em 2010, ano em que foi Pedro Passos Coelho a conseguir a vitória. Ainda antes do chumbo do OE2022, afirmou-se com capacidades de "unir o PSD" e, posteriormente, conseguir uma "solução de governo estável" para vencer legislativas.
Ao longo da sua candidatura, Rangel defendeu um posicionamento de "democracia liberal ocidental". No entanto, esclareceu que "o PSD é pela liberdade, mas não é liberal (...) é liberalizador". Assumiu ainda que para o partido "marcar a agenda reformista do país" poderia ser necessário envolver "partidos do espaço não socialista, desde que democráticos, que vão do centro-esquerda até ao limite da direita moderada.
O discurso de Rangel pautou-se, ainda, por uma recusa em absoluto de envolvimento com o Chega, por estar fora do terreno da direita moderada. O eurodeputado foi ainda mais longe e considerou o Chega "o aliado objetivo do PS", defendendo que "um Chega mais forte permite ao PS perpetuar-se no poder".
Para Rangel, a haver um responsável por uma eventual crise política (dias antes do chumbo do Orçamento de Estado para 2022), este seria "António Costa e o seu governo". No entanto, assegurou que o PSD estaria preparado para lidar com a crise, "antes, durante ou depois das eleições internas" e que o próximo líder do partido não teria apenas de estar preparado para eleições legislativas antecipadas, mas também "legitimado" para entrar na corrida.
O eurodeputado recusou também uma solução que passasse pelo "Bloco Central", constatando que votar no PS seria "inútil porque não há entendimento possível, depois do divórcio litigioso à esquerda".
"Se alguém se quer vitimizar ou fazer disto um grande caso, é alguém que não está a olhar para os problemas do país" - Paulo Rangel sobre os comentários de Rui Rio acerca da reunião do eurodeputado com Marcelo Rebelo de Sousa
Rui Rio, por sua vez, entrou naquela fora a sua terceira ronda de votos para a liderança do PSD. O atual presidente foi eleito pela primeira vez em 2018 quando derrotou o ex-primeiro-ministro Pedro Santana Lopes e foi reeleito em 2020 quando, na segunda volta, venceu Luís Montenegro.
O presidente do PSD nunca encarou as eleições diretas sem pensar nas eleições legislativas - que acabaram por ser antecipadas para janeiro. Logo no anúncio da sua recandidatura, Rio declarou que estaria em causa "a escolha do próximo primeiro-ministro do nosso país". Assumiu ainda que o mandato - que acabou por conseguir - seria aquele que lhe permitiria "derrotar politicamente António Costa e governar Portugal".
Ao primeiro dia de debate sobre o OE 2022, o líder do PSD reagiu negativamente perante o encontro que teria ocorrido entre Paulo Rangel e o Presidente da República para, alegadamente, discutir a data das eleições legislativas. Rio considerou que tal encontro não era "minimamente aceitável" e que o chefe de Estado não deveria ouvir um candidato a um partido antes de ouvir os líderes dos próprios partidos. Acrescentou ainda que, tendo em conta que, na altura, nenhum dos dois candidatos à presidência do PSD havia entregue as assinaturas necessárias para oficializar as candidaturas, era "muito estranho" que o Presidente da República tivesse recebido um "putativo candidato à liderança de um partido".
"Não podia dar um passo atrás quando o adversário que eu tenho teve o pior resultado da história do Partido Social Democrata" - Rui Rio, referindo-se à derrota do eurodeputado nas eleições europeias de 2019
O Orçamento de Estado de 2022, acabou por ser chumbado no dia 27 de outubro, o que acabou por levar ao anúncio de Eleições Legislativas antecipadas. Perante este anúncio, e depois de ver a sua proposta de adiamento das eleições diretas reprovado no Conselho Nacional de 14 de outubro, Rio não desistiu. A 1 de novembro, Rio enviou uma missiva aos militantes do seu partido na qual afirmava que a direção do partido tinha "prudentemente" avisado para a eventualidade de uma crise política. Com base nesta voltou a sugerir um alteração da data das eleições sociaisdemocratas, considerando que a opção levar o partido às urnas na data prevista seria "totalmente desajustada" das circunstâncias do País e dos objetivos do PSD.
A 6 de novembro, no conselho nacional, Rio apresentou, para surpresa geral, uma proposta de antecipação da data de eleições, ainda mais do que havia sugerido Rangel. Propôs ainda - para surpresa do partido, tendo em conta que o líder do PSD alterou regulamentos sobre liquidações de quotas, no sentido de impor regras que evitassem pagamentos em massa - que os militantes sem quotas pagas pudessem votar.
No entanto, afinal de contas, voltou a ser a proposta de Rangel de disputar as diretas a 27 de novembro que seguiu em frente. O eurodeputado sublinhou que as eleições internas são um momento de afirmação do partido, enquanto o ex-Presidente da CM do Porto considerou ir a eleições "absurdo", pela proximidade com as legislativas. Para Rio, isto permitiria a PS fazer campanha "livremente".
Na terceira ronda, Rio volta a vencer
As sondagens faziam-no prever, mas não havia certezas. Rangel levava o apoio do aparelho partidário, enquanto Rio levava o apoio dos militantes que deveriam, nas suas palavras, "livremente escolher o seu presidente". Rangel venceu na capital, mas tal não foi suficiente. Rio conquistou a maioria em Viana do Castelo, Braga, Bragança, Porto, Aveiro, Viseu, Leiria, Santarém, Évora, Faro, Madeira e Açores.
Mapa interativo com resultados por distrito das eleições diretas do PSD em Portugal Continental.
Com cerca de 52% dos votos, Rui Rio garantiu o seu terceiro mandato à frente do principal partido da oposição. No discurso posterior à contagem dos votos, Rio considerou esta "a vitória dos militantes de base do PSD". O líder socialdemocrata acrescentou que se tornou "absolutamente notório" haver uma divergência entre dirigentes e os militantes.
No discurso de derrota, Rangel congratulou Rio e reiterou o que o líder do PSD saía "relegitimado", como havia afirmado durante a campanha. Sobre a derrota, afirmou ainda ter apresentado uma "estratégia diferente da que teve a vitória" e sublinhou que a "unidade" que tanto refere significa que o partido tem de seguir para as legislativas focado no seu principal adversário, o PS de António Costa.
Sobre a sua presença no Parlamento Europeu, Rangel assegurou cumprir o seu mandato até ao fim e honrar o compromisso feito perante os portugueses e o PSD.
"O dr. Rui Rio responderá. O mandato é de dois anos" - Paulo Rangel questionado sobre se Rui Rio tem legitimidade para levar o mandato até ao fim, em caso de derrota nas legislativas.
O rescaldo
Depois das eleições internas, as atenções do líder reeleito do PSD voltaram-se para as eleições legislativas. As dúvidas sobre uma possível cooperação entre o PSD e o CDS-PP foram erradicadas por Rui Rio que declarou ser "mais vantajoso para o PSD concorrer sozinho". Rio, no entanto, desejou um bom resultado ao CDS-PP, afirmando já ter contactado Francisco Rodrigues dos Santos acerca do assunto.
Quanto à construção das listas de deputados, Rio recusou ter havido uma "limpeza étnica". No entanto, sublinhou que houve um "esforço de renovação" principalmente em relação a deputados que pudessem estar há muito tempo no parlamento. Tal resultou numa exclusão completa de todos os apoiantes de Paulo Rangel nas últimas diretas.
As listas do PSD foram aprovadas a 7 de dezembro com 71% de votos favoráveis pelo Conselho Nacional do PSD, apesar das críticas sobre a exclusão de diversos nomes.
Dos cabeças de lista pelos 22 círculos eleitorais às legislativas, 11 são novos em relação a 2019. Nas novidades constam: Sofia Matos, pelo Porto, Ricardo Baptista Leite, por Lisboa, Artur Soveral de Andrade, por Vila Real, António Topa Gomes, por Aveiro, Hugo Carvalho, por Viseu, Margarida Balseiro Lopes, por Leiria, Luís Gomes, por Faro, João Pedro Luís, em Portalegre, Sérgio Marques, na Madeira, Maria Ester Vargas, pela Europa e Maló de Abreu, pelo círculo fora da Europa.
Os onze que se mantém de 2019, são Jorge Mendes, por Viana do Castelo, André Coelho Lima por Braga, Adão Silva, por Bragança, Cláudia André, por Castelo Branco, Mónica Quintela, por Coimbra, Isaura Morais, por Santarém, Nuno Carvalho, por Setúbal, Sónia Ramos, por Évora, Henrique Silvestre, por Beja e Paulo Moniz, pelos Açores.
A escolha do futuro líder da bancada do PSD dependerá dos resultados das eleições. As eleições legislativas foram antecipadas depois do chumbo do OE 2022 e terão lugar no dia 30 de Janeiro de 2022.
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