top of page
  • Foto do escritorAngela Pereira

Ómicron: a variante que inquieta a Europa e o Mundo

A variante Ómicron é a mais recente estirpe do novo coronavírus. Foi detetada e comunicada pela primeira vez pela África do Sul. Em Portugal, é a estirpe dominante. A professora Doutora Carina Rodrigues, investigadora no instituto politécnico de Bragança, concedeu uma entrevista a'O Ardina para explicar o que é que esta variante traz de novo no contexto da pandemia.


Passaram semanas desde que a nova estirpe foi identificada em Botswana, na África do Sul. Desde então, a nova variante da covid-19 tem percorrido o mundo, mostrando um rápido contágio. A 15 de dezembro, a presidente da Comissão Europeia - Ursula von der Leyen - anunciou que se espera que em meados de janeiro a Ómicron seja a variante da covid-19 dominante na Europa.


Em Portugal, é já a variante dominante. De acordo com o relatório semanal de monitorização das “linhas vermelhas” para a covid-19 - produzido pela Direção-Geral da Saúde (DGS) e pelo Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (Insa), divulgado a 24 de dezembro, estima-se que 61,5% dos novos casos são provocados pela estirpe.


A professora Doutora Carina Rodrigues é Técnica Superior de Saúde, especializada no ramo de Genética e investigadora no Centro de Investigação de Montanha, localizado no Instituto Politécnico de Bragança (IPB). Desde 2020 que desenvolve investigação acerca da covid-19, sendo a Diretora técnica do Laboratório de Biologia Molecular. A investigação que desenvolve surge da inserção uma iniciativa que abrange 23 faculdades e politécnicos do país, cujo objetivo primário é o rastreio e a testagem da população. Para abraçar esta iniciativa, as instituições viram-se obrigadas a readaptaram os laboratórios e a suspenderem outros projetos e investigações, priorizando o estudo do novo coronavírus.


Prof.ª Dr.ª Carina Rodrigues (PhD, Biologia Celular e Molecular), no Laboratório do Centro de Investigação de Montanha no Instituto Politécnico de Bragança

Em entrevista a'O Ardina, a Dr.ª Carina Rodrigues explica o que está ser feito no trabalho de investigação em que está inserida e elabora o que se sabe acerca da Ómicron.


Que trabalho está a ser desenvolvido no campo da investigação acerca da infeção por SARS-CoV-2 na instituição onde trabalha?


Eu diria que são várias as áreas e as “frentes” de investigação que abordam a infeção por SARS-Cov-2 e o desenvolvimento da COVID-19 na nossa instituição. O Centro de Investigação de Montanha (CIMO), em abril de 2020, foi incluído num grupo de trabalho pelo Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social que lançou um programa de testagem preventiva à COVID-19. Este programa, designado por nós de “Heróis dos Testes”, envolveu 23 universidades, politécnicos e centros de investigação. O objetivo principal era o rastreio e a testagem da população, e particularmente residentes e funcionários de lares de idosos. Foi preciso readaptar os laboratórios de forma a estabelecer níveis elevados de biossegurança.


No contexto deste programa, foram realizados milhares de testes em lares de todo o país e muitos mais testes nos laboratórios que ajudaram as unidades locais de saúde como a ULSNE [Unidade Local de Saúde do Nordeste]. Isto permitiu evitar surtos e aumentar a capacidade de testagem em Portugal.


Em abril de 2021, foi assinado um protocolo entre os centros de investigação para a implementação de uma rede de laboratórios científicos, para futuras situações de emergência e riscos de saúde pública, a qual terá a coordenação do Algarve Biomedical Center.


O nosso grupo submeteu um projeto que foi aprovado com o título “Infeção por coronavírus SARS-CoV-2 no Nordeste de Portugal: desenvolvendo conhecimentos e ferramentas para uma melhor gestão da doença”, financiado pelo programa Projetos de Investigação Científica e Desenvolvimento Tecnológico do Programa “Testar com Ciência e Solidariedade: COVID-19”. Este projeto veio ajudar a missão do IPB no combate à COVID-19, tendo como objetivo final disponibilizar testes de alta qualidade, num curto espaço de tempo, à comunidade. E, ao mesmo tempo, pretende-se adquirir conhecimentos que irão ajudar na compreensão dos padrões epidemiológicos no Nordeste português.

Um trabalho que já estamos a desenvolver em parceria com o Serviço de Patologia da ULSNE é a quantificação de anticorpos específicos anti-SARS-CoV-2 para avaliar a proteção dada pela vacinação.


Pretende-se ainda conhecer alguns determinantes genéticos da suscetibilidade de COVID-19. Também a transmissão de SARS-CoV-2 para animais de exploração e de companhia que será avaliada por meio da análise do quadro clínico da infeção por SARS-CoV-2, os parâmetros clínicos da infeção e os fatores que aumentam e/ou reduzem a exposição e propagação da doença. Esta atividade permitirá uma melhor compreensão da epidemiologia da COVID-19 e da transmissão potencial entre humanos e animais.




Como é que as pessoas comuns podem compreender o que é uma variante/mutação do SARS-CoV-2?


Existe de facto uma grande dificuldade de os cientistas comunicarem a informação ao público em geral...

Vivemos na Era Pós-Genómica. Para as pessoas que não têm a noção de como se organiza a “célula” ou qual é a estrutura de um vírus, é extremamente difícil compreender o conceito de variante/mutação. No entanto, não é impossível. Os vírus multiplicam-se no interior das células infetadas graças à inserção de seu material genético, que passa a comandar o metabolismo da célula hospedeira a seu favor. Quando os vírus infetam uma célula, eles podem trocar material genético para formar novos "vírus-misturas", com propriedades únicas. Num determinado hospedeiro, um vírus tem um seu processo evolutivo e características hereditárias que o ajudam reproduzir-se - como a elevada capacidade de infeção ou resistência a fármacos. Os vírus de RNA, como é o caso do SARS-CoV-2, apresentam taxas altas de mutação que permitem uma evolução especialmente rápida. A sequência do primeiro SARS-CoV-2 detetada sofreu alterações... foram observadas mutações ao longo da sua sequência. A combinação de diferentes mutações é que origina uma nova variante. Aquelas que parecem ter um comportamento diferente com alta taxa de infeção, ou com sintomas mais graves, são denominadas Variáveis de Preocupação ou de Interesse (VdP).


Relativamente à Ómicron, o que é que distingue esta variante das restantes?

A Ómicron, que, como todas as Variantes de Preocupação (VdP), tem o nome de uma letra do alfabeto grego, apresenta mais de 30 mutações genéticas na proteína Spike (proteína da espícula) que tem, a "chave" que permite ao vírus entrar nas células humanas, sendo que algumas estão ligadas à resistência a anticorpos neutralizantes (com potencial de escapar às vacinas) e a uma melhor transmissibilidade (com potencial de serem mais contagiosas). Os epidemiologistas referem que a Ómicron apresenta um R mais elevado, isto é, apresenta um maior número médio de novos casos gerados por cada infeção.

Verificam-se agora novos máximos diários de casos COVID-19 em vários países europeus e já é dominante em vários países, incluindo Portugal e o Reino Unido, mas ainda sem comparação ao impacto provocado nos serviços de saúde antes da vacinação. O risco, no entanto, é real, como avisam as autoridades.



É mais transmissível que as outras?

Os estudos parecem indicar que esta variante é mais transmissível. Mesmo que a gravidade da doença causada pela Ómicron seja igual ou menor que a severidade da Delta, a maior transmissibilidade e o consequente aumento de casos vai rapidamente suplantar os benefícios de uma potencial menor severidade. Por isso, considera-se muito provável que a Ómicron venha a provocar mais hospitalizações e mortes do que as estimadas nas previsões anteriores, segundo o que alerta o Centro europeu de Controlo e Prevenção de Doenças (ECDC).



A sintomatologia é diferente?

Os doentes infetados com a variante ómicron parecem ter menos probabilidade de serem internados do que os que contraíram a variante Delta. As conclusões desta pesquisa indicam que a probabilidade é de menos 40 a 45%. Os factos sugerem que pode haver um risco aumentado de reinfeção com a Ómicron, em comparação com outras VOC. Isto é, as pessoas que já tiveram covid-19 podem ser reinfectadas mais facilmente com a nova variante. Muitos dos infetados com esta nova variante revelarem-se assintomáticos, mas os principais sintomas gerados pela Ómicron e que devem ser tidos em conta são: tosse seca, cansaço, uma pequena irritação na garganta, dores de cabeça e febre ligeira. Parece não provocar a perda do olfato e paladar e há evidências emergentes de que a Ómicron tende a não penetrar tão profundamente nos pulmões, tanto quanto as variantes anteriores. Um estudo, que foi publicado online pela Universidade de Hong Kong, e ainda não aceite para publicação, descobriu que, embora o ómicron seja menos severa nos pulmões, replica-se mais rapidamente no trato respiratório.


A Ómicron afeta em especial algum grupo ou faixa etária?


Um estudo apresentado por um grupo de médicos e especialistas em saúde pública para a Organização Mundial da Saúde (OMS) apontou para um aumento acentuado nas admissões hospitalares em crianças Covid-positivas com mais de dois anos de idade, na África do Sul.


A variante é resistente às vacinas produzidas até agora?


Os estudos disponíveis sobre a variante ómicron mostram que apesar de se evadir em parte às vacinas, estas continuam eficazes a prevenir a doença grave e a morte.

Sobre a Ómicron, em concreto, que tipo de investigação está a ser feita?

Tal como para outras variantes, a investigação de como surgiu, tentar perceber qual é a tendência do vírus para alterar o seu material genético, perceber as implicações clínicas e sobretudo se haverá necessidade de produzir novas vacinas e fármacos para o tratamento dos sintomas.


Tendo em conta o estado atual da “pandemia”, é possível que se continuem a surgir variantes mais difíceis de combater?


Infelizmente, temo que seja isso que vá acontecer. Dado que grande parte dos países subdesenvolvidos não atingirá os níveis de vacinação comparáveis com os países ocidentais, o número de infeções manter-se-á elevado, aumentando a possibilidade de o vírus mutar. O diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, considerou "inconsciente" que alguns países estejam a vacinar para além da segunda dose, "quando tantas pessoas continuam desprotegidas". Nestes países, com baixa taxa de vacinação, o vírus terá a hipótese de mutar mais rapidamente. Seria melhor partilhar as vacinas com outros países, para que possam aumentar sua taxa de vacinação com a primeira e segundas doses.


Na sua opinião, o que é que poderia ser feito em termos de investigação para ajudar a combater a covid-19?


Na minha opinião, a investigação que está a ser realizada bem como os projetos que estão a ser lançados na área da infeção por SARS-CoV-2 atingem neste momento o auge. A prova de que se está a realizar um grande esforço para impedir o surgimento de novas pandemias e acautelar que todo o impacto negativo desta crise mundial de saúde possa ter no ser humano, é evidente pelos financiamentos que estão a ser disponibilizados em todas as áreas de pesquisa, sobretudo fundos que vêm da Comunidade Europeia. Existem muitas instituições públicas e privadas que promovem a submissão de projetos nestas áreas de combate à doença. Também é evidente, a nível mundial, quando analisamos a velocidade de produção científica com as palavras chave “SARS-CoV-2” e “COVID-19”, que nunca um outro assunto despoletou um aumento de referenciação bibliográfica como estes dois temas, em tão pouco tempo!

O que eu considero que poderia ser melhorado é a partilha de informação sobre casos clínicos e dados dos doentes. Para melhor compreender o processo de infeção e o desenvolvimento da doença é necessário que seja partilhada o máximo de informação pelos profissionais de saúde. Já existem muitas plataformas e ferramentas na web para a área da biologia molecular, em particular sobre sequenciação do vírus, em que as novas variantes/mutações são partilhadas com todos os investigadores logo após a sua deteção. Os estudos epidemiológicos que estão a decorrer deveriam ser “padronizados”, isto é, o desenho dos estudos, com objetivos idênticos, deveria ser partilhado por um grande número de investigadores para que os resultados pudessem ser comparados obtendo-se resultados estatisticamente mais robustos.

E, neste momento é também necessário promover a investigação sobre a COVID-19 em animais. É importante compreender se o vírus pode infetar outros animais, uma vez que um grande perigo é o vírus “encontrar” um reservatório. De acordo com os dados disponíveis, os animais não são considerados como fonte significativa de transmissão do novo coronavírus a humanos. No entanto, há dados que sugerem que o vírus pode ser transmitido de uma pessoa contaminada para animais após contato próximo. Em gatos e cães - animais de companhia - que foram analisados, testaram positivo para a presença de SARS-Cov-2. Mais estudos são necessários para responder a certas questões tais como: “Quais os animais que podem ser infetados pelo novo coronavírus?; Como seria o comportamento dessa doença nos animais?”. É sobretudo importante identificar os animais que podem ser infetados e transmitir a infeção a outros animais e/ou a seres humanos. Se o vírus adquirir capacidade de infetar outros animais a situação piora, porque “saltar” de espécie para espécie promove a mutação do vírus.



43 visualizações0 comentário
bottom of page